quarta-feira, 13 de setembro de 2017

As queimadas na Amazônia e o seu pulmão

Fonte: Agência Fapesp.

É provável que todos saibam a importância da Amazônia para a manutenção da diversidade biológica, clima e meio ambiente estáveis. O que pouco se sabe é que a queima da biomassa (matéria orgânica de origem vegetal ou animal) nessa região decorrente do desmatamento, criação de gado, práticas agrícolas e uso do carvão influenciam diretamente a saúde do seu pulmão. Não importa se você está lendo isso no norte ou sul do país. Obviamente populações que moram mais próximas dessas áreas de queimadas são mais afetadas, mas quem mora mais ao sul também pode ter problemas. Em 2015, um estudo publicado na Nature Geoscience, com participação de pesquisador brasileiro, mostrou que a diminuição do desmatamento (e também das queimadas) na Amazônia evitou que aproximadamente 1.700 pessoas na América do Sul morressem em decorrência de problemas pulmonares. Importante ressaltar que a maior parte dessas pessoas não mora próximo à área de queimadas. Isso porque a queima da floresta gera compostos muito pequenos que podem ser transportados pelas correntes de vento e chegar a longas distâncias.


Agora, um grupo multidisciplinar de pesquisadores brasileiros e americanos está estudando os impactos desses compostos em culturas de células pulmonares. Através de modelos matemáticos, os pesquisadores conseguiram chegar a uma concentração de partículas proveniente de material queimado inalada pela população num raio de 500 mil quilômetros quadrados. Com esse resultado, eles puderam realizar estudos in vitro com células pulmonares e avaliar como elas respondiam a essas partículas tanto a nível celular, quanto molecular. Os resultados foram alarmantes. Num primeiro momento, as células pulmonares começaram a liberar substâncias inflamatórias causando estresse oxidativo, o que danifica as estruturas celulares. Proteínas como a P53 e a P21 (ambas envolvidas com replicação celular e danificadas em muitos casos de câncer) mostraram aumento de expressão e as células, de um modo geral, pararam de se replicar. As células também entraram em processo de autofagia, que é basicamente a autodegradação das estruturas internas. Tudo isso aconteceu em 24 horas! A partir desse momento, a coisa só piorou. As células começaram a entrar em apoptose (morte celular programada) e necrose (morte celular em que o conteúdo da célula é extravasado no meio gerando inflamação). Após as 72 horas do experimento, algumas culturas celulares registravam até 33% de morte celular, contra 2% dos controles. Além da porcentagem maior de morte celular, o que pode causar problemas respiratórios como enfisema, algumas células sobreviventes mostravam sinais de danos ao DNA, o que pode acarretar câncer no futuro.
Morte celular vista com microscopia de fluorescência para diferenciar apoptose de necrose. Fonte: Alves, et al., 2017.

Segundo um dos pesquisadores envolvidos no estudo, o composto encontrado em maior quantidade na fumaça analisada proveniente da queima da biomassa é chamado de reteno. No mesmo trabalho também foi avaliado o efeito isolado desse composto nas culturas celulares. O resultado foi morte celular e danos ao DNA semelhantes ao mix de partículas testado anteriormente. Apesar de não ser proveniente da queima de combustíveis fósseis, o reteno é um composto muito presente no ar de grandes cidades, como São Paulo, provavelmente por conta das queimadas estimuladas por práticas agrícolas (queima de cana de açúcar) e para geração de energia (carvão).

O trabalho mostrou os mecanismos de ação de partículas geradas pela queima da biomassa no desenvolvimento de problemas pulmonares. Com ele, os pesquisadores esperam poder contribuir para o desenvolvimento de novas diretrizes que visem a proteção da saúde de pessoas que vivem em regiões altamente afetadas pelas queimadas.

Referências:

Poluente emitido pela queima de biomassa causa dano ao DNA e morte de célula pulmonar. Agência Fapesp.

N. O. Alves, J. Brito, S. Caumo, A. Arana, S. S. Hacon, P. Artaxo, R. Hillamo, K. Teinilä, S. R. B. Medeiros & P. C. Vasconcellos. Biomass burning in the Amazon region causes DNA damage and cell death in human lung cells (2017). Scientific Reports, 7:10937.

C. L. Reddington, E. W. Butt, D. A. Ridley, P. Artaxo, W. T. Morgan, H. Coe & D. V. Spracklen. Air quality and human health improvements from reductions in deforestation-related fire in Brazil (2015). Nature Geoscience, 8: 768 – 771.

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