Todo mundo que prestou um pouco de atenção às aulas de
ciências e biologia durante o colégio deve se lembrar, mesmo que vagamente, do
Ciclo de Krebs (ou Ciclo do Ácido Cítrico). Rapidamente, o ciclo de Krebs é na
verdade uma série de reações químicas que acontecem no interior das
mitocôndrias e utiliza ácido produtos da degradação da glicose e oxigênio
(entre vários outros precursores) para gerar energia em formato de ATP e
precursores de outras vias metabólicas importantes.
Existem diversas teorias sobre o início e a ubiquidade do
ciclo, já que ele está presente em todos os organismos eucariotos. Uma delas
diz que o ciclo de Krebs é anterior aos seres vivos, propondo que ao menos
partes das suas reações teriam ocorrido de maneira inorgânica no ambiente sem a
necessidade de enzimas (que não poderiam existir, já que não existiam seres
vivos, nem DNA, nem RNA e muito menos proteínas). Um crítico dessa teoria era o
cientista Leslie E. Orgel (autor da hipótese do mundo de RNA). Segundo ele, em
um artigo publicado após sua morte, a hipótese de que ciclos metabólicos tenham
existido de maneira inorgânica é baseada em pesquisas, as quais apesar de levar
em conta a possibilidade dessas reações, se esquecem da probabilidade delas
acontecerem, da viabilidade dos compostos e, muitas vezes, propõe cenários irreais
para o acontecimento dessas vias. A meu ver, sua crítica não era a respeito da
teoria em si, mas da falta de avaliação crítica dos resultados.
Em 2011, quando cientistas da NASA encontraram compostos que
participam do ciclo de Krebs em um meteorito carbonáceo, a discussão ficou mais
acirrada. Então, em 2017, foi publicado um estudo que analisou a possibilidade das
reações do ciclo de Krebs acontecerem sem a necessidade de enzimas, ou seja, de
maneira totalmente inorgânica. É importante dizer que esse trabalho foi baseado
nos resultados de aproximadamente 4.850 experimentos (!) que analisaram a
reatividade de intermediários do ciclo de Krebs na presença de típicos
constituintes de sedimentos da era arqueozoica. Na minha humilde opinião, esse
artigo foi uma resposta, à altura, das críticas de Orgel.
Nesse trabalho, de Keller e colaboradores, foram testadas
diversas combinações de sedimentos e íons com intermediários do ciclo de Krebs.
Alguns sedimentos testados reagiram com alguns intermediários, mas, em geral,
essas reações foram fracas, lentas e não envolviam todos os intermediários.
Apesar disso, segundo os autores, mesmo essas reações já eram uma indicação
convincente de que ao menos algumas partes do ciclo de Krebs eram viáveis sem a
presença de enzimas. Entretanto, um espectro muito maior de reações foi visto
em presença de peroxydissulfato. Com a adição desse composto foram detectadas
24 reações com metabólitos do ciclo de Krebs, as reações ficaram
consideravelmente mais rápidas e os intermediários foram observados em
proporções mínimas após a formação dos metabólitos do ciclo.
Umas das críticas do Leslie Orgel era o fato de que vários
estudos propunham cenários irreais para a explicação dos resultados. Nas suas
palavras: “solutions offered by supporters of geneticist or metabolist
scenarios that are dependent on “if pigs could fly” are unlikely to help” (soluções
oferecidas pelos apoiadores de cenários geneticistas e metabólicos que são
dependentes de “se porcos pudessem voar” dificilmente ajudam – tradução livre).
Ao que parece, Keller e colaboradores se importaram com essa
afirmação e, assim, determinaram condições plausíveis para os experimentos.
Foram excluídas condições químicas que seriam inviáveis dentro de células, como
luz ultravioleta, pressão alta e temperaturas acima de 100ºC. Eles também
evitaram condições e metais que não possuem nenhum papel no metabolismo (titânio
e borato). Foram utilizadas apenas moléculas baseadas em importantes elementos
para o metabolismo e que são componentes frequentes de sedimentos arqueozoicos,
pouco oxigênio e temperaturas de até 70ºC.
Segundo os pesquisadores, as reações iguais as do ciclo de
Krebs ocorreram com a adição de peroxidissulfato possivelmente dependente da
formação de radicais sulfato. As reações não enzimáticas foram muito específicas,
sendo superior à glicólise in vitro utilizando enzimas de E.coli purificadas. Uma das explicações dessa especificidade são as
propriedades físico-químicas dos radicais sulfato.
Com todos esses resultado e baseado na simplicidade dessas
condições ambientais não é difícil concluir que o ciclo de Krebs pode ter
surgido de precursores não enzimáticos que se formam espontaneamente na
presença de radicais sulfato. A pergunta agora é: esses precursores estavam na
Terra ou vieram de outros lugares?
Bibliografia:
Keller, M. A., Kampjut, D., Harrison, S. A. & Ralser, M.
Sulfate radicals enable a non-enzymatic Krebs cycle precursor. Nat. Ecol. Evol.
1, 0083 (2017).
Orgel LE (2008) The implausibility of
metabolic cycles on the prebiotic earth. PLoS Biol
6(1): e18. doi:10.1371/journal.pbio.0060018
Cooper G, Reed
C, Nguyen D, Carter M, Wang Y. Detection and formation scenario of citric acid,
pyruvic acid, and other possible metabolism precursors in carbonaceous
meteorites. PNAS, 108 (34) - 14015–14020
(2011).
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