quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Links para saber mais - Cetáceos possuem sociedade e cultura semelhante aos humanos

Todo mundo que já viu ou leu Guia do Mochileiro das Galáxias sabe (ou desconfia) que os golfinhos são mesmo mais inteligentes que nós. Por exemplo, golfinhos nunca elegeriam Trump para presidente, o que já mostra um intelecto bem avançado. Sabendo disso, cientistas de universidades do Reino Unido, EUA e Canadá resolveram estudar se existia algum tipo de cultura nas sociedades de golfinhos, baleias e botos (cetáceos) e o que era responsável por comportamentos considerados complexos.

Esse é o primeiro estudo que cria um enorme banco de dados cruzando informações de comportamentos complexos ao tamanho do cérebro dos cetáceos. A hipótese é que os cetáceos são considerados um dos animais mais inteligentes do planeta justamente pela relação de tamanho entre cérebro e corpo. A lista de comportamentos mostra diversas semelhanças com comportamentos humanos e primatas:

-Complexas relações de aliança – trabalham juntos para benefício mútuo;

-Transferência social de técnicas de caça – ensinamentos de como caçar utilizando ferramentas;

-Caça cooperativa;

-Complexas vocalizações, incluindo DIALÉTOS REGIONAIS E DE GRUPOS – Basicamente eles conversam;

-Mimetismo vocal e “apitos exclusivos” únicos de alguns indivíduos – ELES TEM NOMES;

-Cooperação interespecífica com outras espécies, incluindo o homem;

-Cuidado parental de filhotes e jovens que não são sua prole;

-Brincadeiras sociais.


Segundo uma das pesquisadoras envolvidas no trabalho, eles tiveram o mesmo caminho evolutivo de desenvolvimento de inteligência pelo qual passaram primatas e humanos. Ela diz que eles só não serão capazes de imitar nossos avanços tecnológicos porque não desenvolveram polegares opositores. Outra neurocientista que participou da pesquisa afirma que, na sua opinião, apesar de existirem diferenças entre estruturas cerebrais de humanos e cetáceos, esse não o motivo pelo qual eles não atingem graus mais elevados de habilidades sociais e cognitivas. Ela ainda afirma que, justamente, apesar dessas diferenças estruturais, ambas as espécies evoluíram de maneira a mostrar comportamentos cognitivos e sociais muito semelhantes.

Referências:
Whales and dolphins have rich 'human-like' cultures and societies. ScienceDaily.

Kieran C. R. Fox, Michael Muthukrishna, Susanne Shultz. The social and cultural roots of whale and dolphin brains. Nature Ecology & Evolution, 2017; DOI: 10.1038/s41559-017-0336-y

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Links para saber mais - O perigo do descarte inadequado de fármacos

Pesquisadores da Universidade do Estado de Portland testaram água do mar em locais próximos a centros urbanos e encontraram de tudo, desde traços de cafeína até remédios. As substâncias são descartadas em residências ou em centros médicos e acabam parando nos oceanos depois de passar pelo sistema de esgoto. Por conta desse achado, os cientistas simularam em laboratório um ambiente natural para caranguejos nativos daquela área e avaliaram possíveis modificações no comportamento desses animais quando expostos a concentrações de fluoxetina (o princípio ativo do Prozac) encontradas nas águas estudadas. Eles notaram alterações comportamentais nos caranguejos incluindo o aumento do tempo de forrageamento (busca e exploração por recursos alimentares). Esse comportamento deixou os caranguejos mais distraídos e expostos a predadores, pois eles mantinham o forrageamento mesmo durante o dia, período em que normalmente estão escondidos. Mesmo a presença do predador natural não impedia os animais de continuarem a busca por alimento, deixando eles muito mais expostos à predação. Além disso, os pesquisadores notaram que eles se envolviam muito mais em brigas com membros da mesma espécie, frequentemente matando o oponente ou sendo mortos no processo.

Essa pesquisa chama a atenção para o perigo do descarte inadequado de resíduos da indústria farmacêutica. No caso dos caranguejos, o comportamento induzido pelo fármaco gerou um desbalanço na interação predador-presa. Isso pode gerar desequilíbrios no ecossistema que podem se propagar botando em risco não só uma espécie, mas todo o ambiente.

Referências:
Joseph R. Peters, Elise F. Granek, Catherine E. de Rivera, Matthew Rollins. Prozac in the water: Chronic fluoxetine exposure and predation risk interact to shape behaviors in an estuarine crab. Ecology and Evolution, 2017; DOI: 10.1002/ece3.3453.

Prozac in ocean water a possible threat to sea life. ScienceDaily.

Para saber mais como descartar medicamentos vencidos ou sem uso de maneira correta veja esse guia.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Links para saber mais - Depressão e Magic Mushrooms

Eu já escrevi textos aqui no blog sobre os cogumelos alucinógenos e como a substância ativa (psilocibina) está na mira da indústria farmacêutica por conta das suas propriedades (se você não leu os textos, clique aqui e aqui). A última novidade sobre os efeitos da psilocibina foi publicada essa semana na revista Scientific Reports por um grupo de pesquisadores do Imperial College London.

A pesquisa testa os efeitos da substância ativa dos cogumelos alucinógenos em pacientes com depressão que não respondem a tratamentos convencionais. Os resultados foram encorajadores. Todos os pacientes afirmam melhoras nos sintomas após uma semana da ingestão da droga e muitos deles descrevem a melhora como se o cérebro tivesse reiniciado e, com isso, os sintomas depressivos tivessem sumido. A maioria também afirma que a melhora é persistente. Além de responder questionários sobre sintomas depressivos antes e depois de ingerir a psilocibina, os pacientes também fizeram imagens de ressonância magnética para determinar o fluxo sanguíneo em algumas áreas do cérebro. As imagens após a ingestão de psilocibina mostram menor fluxo de sangue na região do cérebro conhecida como amígdala. Essa região está envolvida no processamento de respostas emocionais, estresse e medo. Os cientistas imaginam que após a ingestão da droga, há uma desintegração inicial de circuitos neuronais associados com a depressão, permitindo que o paciente saia do estado depressivo e se mantenha sem sintomas por longo período. Apesar dos resultados animadores, os pesquisadores afirmam que ainda são necessários vários estudos, pois o número amostral foi baixo e não foi possível a formação de um grupo controle.
Fonte: http://www.curasaudavel.com/site/?p=1487
Esse mesmo grupo já publicou outros estudos sobre os efeitos da psilocibina em pacientes depressivos resistentes a tratamentos convencionais, mas esta é a primeira vez que eles conseguem fazer imagens do cérebro que mostram mudanças efetivas após o uso da droga. Por mais que o número de pacientes seja pequeno, esses estudos são uma grande vitória, pois ainda é muito difícil conseguir consentimento e verbas para trabalhar com substâncias proibidas.

Robin L Carhart-Harris, Leor Roseman, Mark Bolstridge, Lysia Demetriou, J Nienke Pannekoek, Matthew B Wall, Mark Tanner, Mendel Kaelen, John McGonigle, Kevin Murphy, Robert Leech, H Valerie Curran, David J Nutt. Psilocybin for treatment-resistant depression: fMRI-measured brain mechanisms. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-13282-7.

Droga derivada do “cogumelo-mágico” suprime depressão em primeiro teste com humanos. Universo Racionalista.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Porque existem componentes do leite materno que os bebês não conseguem digerir?

O título desse texto é "Porque existem componentes do leite materno que os bebês não conseguem digerir?", mas poderia facilmente se chamar "No corpo humano tudo tem um propósito". Isso porque cientistas da Universidade da Califórnia estão terminando um trabalho (que será publicado possivelmente em março de 2018) mostrando que componentes não digeríveis do leite materno tem uma função protetora para o bebê. Esse trabalho mostra o porquê de o leite materno ser repleto de oligossacarídeos complexos que são totalmente indigestos para os bebês. A real função desses componentes é na verdade servir de fonte de alimento para um grupo de bactérias chamadas bifidobacterium infantis.








Mas porque essas bactérias são importantes?







Elas são importantes porque, durante a gestação, o corpo do bebê está em um ambiente estéril. Assim que o bebê nasce, ele é exposto a uma porção de bactérias, algumas patogênicas outras não. Enquanto o sistema imunológico da criança ainda não está preparado para lidar com todas essas novidades, bactérias não patogênicas entram em cena para proteger o corpo. Uma das bactérias que desempenham esse papel é a bifidobacterium infantis. Ela forma uma camada protetora no intestino do bebê, impedindo a colonização de bactérias patogênicas e protegendo a criança de doenças graves.

Para você ter noção da importância do aleitamento materno e dessas bactérias protetoras do intestino, bebês que nascem prematuros e que, por algum motivo, não recebem aleitamento materno tem muita dificuldade em formar uma microbiota intestinal adequada. Por conta disso, muitas vezes o intestino desses bebês são colonizados por bactérias patogênicas causando um problema grave que é a enterocolite necrosante. Essa condição causa lesões nas camadas do intestino permitindo que haja contaminação por bactérias na corrente sanguínea. Em média, 85% dos casos de enterocolite necrosante ocorrem em recém nascidos prematuros e por isso esse artigo que relaciona os componentes do leite materno com a criação de uma microbiota intestinal protetora é tão importante. Não só, cada vez mais se ressalta a importância do aleitamento materno sempre que possível como também esse estudo vai permitir um olhar e um tratamento diferente para bebês prematuros e, dessa maneira, aumentar as chances de sobrevivência.

Referências:
Cientistas desvendam por que leite materno tem moléculas de açúcar que bebês não digerem. BBC.

Enterocolite necrosante.

Artigo (ainda não está publicado, mas é possível ler o resumo):
Kirmiz, N., R. C. Robinson, I. M. Shah, D. Barile and D. A. Mills. 2017. Milk glycans and their interaction with the infant gut microbiota. Annual Review in Food Science & Technology (In Press).

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Mais um sucesso do uso do canabidiol no tratamento de transtornos do espectro autista

Cada vez mais se tem descoberto os benefícios do canabidiol, composto encontrado na Cannabis sativa, no tratamento de transtornos do espectro autista. Uma grande esperança para os pais de crianças com essa condição, que apesar de bastante estudada ainda é pouco entendida. Certamente temos questões éticas, culturais e muitos tabus para discutir a respeito do uso da Cannabis, mas os cientistas estão fazendo um ótimo trabalho mostrando o quão importante são os seus derivados em diversos tratamentos. Dessa maneira, esperamos exercer pressão suficiente para, pelo menos, iniciarmos uma discussão mais séria em relação à liberação (no mínimo) do uso medicinal.

Um artigo que saiu essa semana na PNAS é mais um na lista dos trabalhos que mostram benefícios do canabidiol na melhora de sintomas de alguns tipos de autismo. O trabalho foca numa síndrome em especial: a síndrome de Dravet. Já foi identificado que essa síndrome tem causa genética e as crianças portadoras sofrem com epilepsia severa e muito difícil de controlar, além de problemas cognitivos e de interações sociais. Geralmente os pacientes necessitam de cuidados contínuos e tem risco de morte elevada na infância. Atualmente existem poucas opções terapêuticas para o tratamento e melhora das condições de vida dos pacientes. Um dos autores do estudo ressaltou a necessidade de pesquisar a fundo os processos que levam a melhora dos sintomas de epilepsia, já que tantos pais estão optando (e tendo sucesso) pelo tratamento “caseiro” com canabidiol. Apesar de poucos estudos clínicos, ele admite que não há como negar que o tratamento funciona, mas é importante conhecer mais o composto, os métodos e como a substância age no organismo melhorando alguns sintomas da Síndrome de Dravet.

Para avaliar os efeitos benéficos do canabidiol e como ele afetava os processos moleculares de comunicação entre certos grupos de neurônios, os pesquisadores desenvolveram um rato geneticamente modificado que mimetizasse os sintomas da síndrome de Dravet. Os principais resultados foram a confirmação de que o canabidiol reduziu não só a severidade dos ataques epiléticos, como também a duração e frequência. Além disso, os modelos tratados com baixas doses de canabidiol tiveram melhoras visíveis nas interações sociais. Uma curiosidade foi que o canabidiol agiu de maneira semelhante ao clonazepan (um benzodiazepinico geralmente utilizado para tratar pacientes com síndrome de Dravet), ou seja, baixas doses foram ideais para tratar distúrbios sociais, enquanto que doses mais altas tiveram sucesso na diminuição dos eventos epiléticos.

Gráfico mostrando a relação de dose-dependência de canabidiol na duração dos ataques (A), severidade (B) e frequência (C). As barras azuis indicam o efeito do placebo e as barras vermelhas indicam as diferentes doses de canabidiol utilizadas. 
Sobre os efeitos do canabidiol nos neurônios, os cientistas viram que ele equilibra as taxas de inibição e excitação de neurônios do hipocampo. Isso significa que ele consegue reverter um dos problemas neuronais que causam os ataques epiléticos, que é (de maneira bem resumida) a falta de habilidade de neurônios inibitórios em controlar neurônios excitatórios. Outra vantagem é que, comparado com os tratamentos existentes atualmente, o canabidiol causa poucos efeitos adversos.

Os autores do trabalho esperam que ele seja utilizado no desenho de estudos clínicos em humanos para a confirmação dos efeitos benéficos do canabidiol no tratamento da síndrome de Dravet.


Referências:
Joshua S. Kaplan, Nephi Stella, William A. Catterall, Ruth E. Westenbroek. Cannabidiol attenuates seizures and social deficits in a mouse model of Dravet syndrome. Proceedings of the National Academy of Sciences, 2017; 201711351 DOI: 10.1073/pnas.1711351114.

Cannabidiol benefits and mechanisms shown in mouse study of Dravet syndrome: Cannabidiol treatment reduces seizures and autism-like behaviors in mice with this genetic condition. ScienceDaily.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Links para saber mais - Novos medicamentos contra fungos

Fungo Cryptococcus neoformans utilizado no estudo.
Infecções fúngicas são um problema bem sério para pessoas imunodeprimidas e matam 1,6 milhões de pessoas no mundo por ano. Encontrar novos tratamentos para combater fungos é uma questão prioritária na saúde. Novas drogas são necessárias para reduzir a morbidade, mortalidade e custos associados aos tratamentos existentes. Por serem tão parecidas com células humanas, desenvolver novas drogas que atinjam as células de fungos sem causar tantos danos para as nossas células é um desafio. Além disso, drogas anti fúngicas não matam todos os tipos de fungos, logo a resistência aos medicamentos existentes está se tornando um problema cada vez mais grave.

Agora um grupo de cientistas do Instituto Westmade para Pesquisa Médica da Austrália está estudando uma espécie de fungo para desenvolver uma abordagem molecular que auxilie na criação de um medicamento melhor e mais eficiente. Os pesquisadores identificaram uma via metabólica (ARG1) que é responsável pelo estabelecimento do fungo Cryptococcus no pulmão e posterior migração para o cérebro, resultando em meningite. Eles esperam poder produzir um medicamento que bloqueie essa via, impedindo que o fungo consiga completar o ciclo e, dessa maneira, impedir uma doença mais grave. Segundo um dos pesquisadores do instituto, atualmente, mesmo com tratamento apropriado, milhares de pessoas morrem por falta de remédios mais eficientes. As pessoas mais atingidas com infecções fúngicas sérias e que seriam mais beneficiadas com novos medicamentos são portadores do vírus da AIDS e pessoas com leucemia, já que as duas doenças afetam diretamente o sistema imunológico.

Referências:
A step towards a new drug to treat fungal infections that kill 1.6 million people annually: A team from Sydney's Westmead Institute for Medical Research is a step closer to developing a drug to treat life-threatening fungal infections that cause more than 1.6 million deaths annually. ScienceDaily.

Cecilia Li, Sophie Lev, Desmarini Desmarini, Keren Kaufman-Francis, Adolfo Saiardi, Ana P.G Silva, Joel P. Mackay, Philip E. Thompson, Tania C. Sorrell, Julianne T. Djordjevic. IP3-4 kinase Arg1 regulates cell wall homeostasis and surface architecture to promote clearance of Cryptococcus neoformans infection in a mouse model. Virulence, 2017; 00 DOI: 10.1080/21505594.2017.1385692.



sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Links para saber mais - Mãe é mãe

Instinto materno é umas das forças mais poderosas do universo. Manter a prole feliz e saudável é uma das prioridades da maioria das mães do mundo animal. Desde mães humanas até não humanas como gatas, cadelas, galinhas, patas, etc. Todo esse mecanismo de proteção e amor à prole é ligado ao hormônio ocitocina, encontrado em diversos animais. A pergunta é: como essa relação de proteção evoluiu?

Para entender essa questão, pesquisadores do Reino Unido e da Bélgica foram pesquisar os instintos maternais do nematódeo Caenorhabditis elegans. O que eles encontraram foi que, mesmo organismos mais simples, como esse verme, possuem instinto de proteção à prole e mostram comportamentos que protegem a sua prole quando há algum perigo. Eles viram que quando a fonte de alimento começava a diminuir, os vermes “pais” deixavam a fonte de alimento. Dessa maneira, sobrava mais recursos para sua prole. Os cientistas fizeram experimentos que comprovam que esse comportamento é consequência do hormônio nematocina que é uma versão nematódea do hormônio ocitocina encontrado em animais mais complexos. 
Proporção de C. elegans adultos e larvas que deixam a fonte de alimento. Enquanto a fonte de alimento é abundante, larvas e adultos deixam a fonte, mas quando o alimentos começa a diminuir, uma quantidade significativamente maior de adultos deixa a fonte de alimento. Fonte: Artigo original.

Em humanos e outros animais, esse hormônio é conhecido por controlar a sociabilidade e, muitas vezes chamado “hormônio do amor”. De acordo com os cientistas, o comportamento que faz com que nossos pais queiram nos ver bem e saudáveis é muito antigo e existe mesmo em organismos com sistemas nervosos muito simples, como nematódeos.


Referências:
Love hormone' leads worms to show their caring side. ScienceDaily.

Euan Scott, Adam Hudson, Emily Feist, Fernando Calahorro, James Dillon, Raissa de Freitas, Matthew Wand, Liliane Schoofs, Vincent O’Connor, Lindy Holden-Dye. An oxytocin-dependent social interaction between larvae and adult C. elegans. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-09350-7.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Links para saber mais - Consequências do Tsunami de 2011 no Japão

Espécies marinhas costeiras do Japão estão aparecendo na costa do Havaí e EUA. Qual a explicação pra isso?


Cientistas afirmam que esse fenômeno foi causado pelo Tsunami que atingiu o Japão em 2011. Por causa do terremoto e tsunami, desde objetos pequenos como pedaços de plástico até grandes como barcos e docas inteiras foram sugadas mar a dentro e, com eles, levaram uma série de espécies que utilizavam esses objetos como abrigo. Pesquisadores do Instituto Smithsonian, Instituto de Biologia Marinha de Oregon e Universidade Estadual da Pensilvânia dizem que isso já era esperado, mas o que é realmente surpreendente foi que alguns desses animais sobreviveram à enorme viagem transoceânica e foram parar na outra costa do Pacífico. Desde 2012 os pesquisadores começaram a encontrar objetos e animais vivos presos a eles. No período do estudo, 2012 a 2017, foram encontradas mais de 289 espécies vivas em destroços como boias, caixas e embarcações. Os pesquisadores acreditam que este número ainda é pequeno, pois mesmo após o término do período de estudo, mais espécies continuam chegando com vida.

Moluscos, como mexilhões, é o grupo de animais encontrado mais frequentemente. Vermes, hidras (parentes das águas-vivas), crustáceos e ectoproctas (animais coloniais, filtradores e sésseis) também vem em números consideráveis. Aproximadamente dois terços das espécies encontradas nunca foram vistas na costa dos EUA e nem se podia imaginar que sobreviveriam a uma viagem dessa magnitude. Uma das hipóteses é que os objetos que carregavam esses animais viajavam em velocidade muito pequena (1 a 2 nós – o que equivale a 1,8 a 3,7 Km/h) dando tempo para essas espécies se adaptarem às diferenças ambientais e se reproduzirem. A baixa velocidade também ajudava as novas larvas a se fixarem no substrato e não ficarem perdidas no meio do oceano. Outra ponto que ajudou (mas não é necessariamente positivo) foi o fato de que a maioria dos objetos que levavam animais era feito de plástico, logo não se decompôs. Até agora nenhuma das espécies novatas conseguiu colonizar a costa dos EUA, mas não significa que isso não poderá acontecer no futuro.

Essas descobertas são realmente interessantes, mas há de se considerar as consequências disso. Por exemplo, se algumas das espécies conseguir colonizar a costa pode gerar prejuízos para espécies nativas e para todo o ecossistema local. Além disso, os cientistas alertam que toda essa viagem só foi possível graças aos materiais não bio-degradáveis jogados nos oceanos pelo tsunami ou por ação humana. A quantidade de plásticos e outros materiais perigosos jogados ao mar tende a aumentar nos próximos anos, assim como a quantidade de furacões e tsunamis (por conta do aquecimento global). Quem sabe que desequilíbrio ecológico isso ainda pode trazer.

Quer saber mais sobre o problema dos plásticos jogados no oceanos? Eu escrevi um texto sobre isso. Se você não leu, clique aqui.

Referências:
Tsunami enabled hundreds of aquatic species to raft across Pacific: Biologists detect longest transoceanic rafting voyage for coastal species. ScienceDaily.

James T. Carlton, John W. Chapman, Jonathan B. Geller, Jessica A. Miller, Deborah A. Carlton, Megan I. Mcculler, Nancy C. Treneman, Brian P. Steves, Gregory M. Ruiz. Tsunami-driven rafting: Transoceanic species dispersal and implications for marine biogeography. Science, 2017; Vol. 357, Issue 6358, pp. 1402-1406 DOI: 10.1126/science.aao1498

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Afinal, cerveja faz bem ou não?

E para comemorar o dia do início da Oktoberfest aqui no Brasil, nada melhor do que um texto falando da paixão nacional: Cerveja!

Vamos aos fatos. O brasileiro bebe muita cerveja (eu, inclusive), mas quanto exatamente? A média do consumo de cerveja no Brasil é de 82 litros por pessoa por ano. Atualmente ocupamos o 17º lugar no consumo de cerveja mundial. Apesar de, em 2015, a produção de cerveja industrial ter caído 20% - por conta da crise e pelo aumento no consumo de cervejas artesanais – a indústria cervejeira ainda tem um grande impacto na economia. Com a geração de 2,2 milhões de empregos e de R$ 21 bilhões de impostos arrecadados por ano, a indústria não faz só a alegria do povo, mas também a alegria do governo. Atualmente o setor cervejeiro no Brasil é dominado por três gigantes: Ambev, Heineken e Grupo Petrópolis. Apesar disso, só em 2015 (no auge da crise), o setor de cervejas especiais, dominado por pequenas cervejarias, teve uma alta de 36% nas vendas.

Agora vamos passar para a biologia porque aqui não é um blog de economia. Biologicamente falando, a cerveja faz bem ou faz mal? Bom, depende. Por ser uma substância que contém álcool, obviamente abusar da cerveja não faz bem e pode levar ao desenvolvimento de dependência e outros males. Mas usando com moderação (assim como tudo na vida) vários estudos mostram que a cerveja pode fazer bem sim.

Por exemplo, um estudo de 2010 avaliou o conteúdo de silício em cervejas. Segundo os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos a ingestão de silício é importante para o crescimento e desenvolvimento dos ossos e do tecido conjuntivo. O estudo do Departamento de Ciência Alimentar e Tecnologia da Universidade da Califórnia mostrou que o silício presente nas cervejas tem alta biodisponibilidade, ou seja, nosso corpo é capaz de aproveitar o nutriente da forma como ele é apresentado. Por conta desse fato, os pesquisadores chegaram a conclusão de que a cerveja é a maior fonte de silício presente na dieta ocidental atualmente. O estudo ainda mostra que as cervejas com base de cevada tem maior quantidade de silício do que aquelas com base de trigo. Isso porque uma boa parte do silício é encontrada na casca da cevada. O lúpulo, por sua vez, é o ingrediente da cerveja que mais contém silício, mas dependendo do tipo de cerveja, ela pode ter pouco lúpulo na sua composição. Em geral, cervejas mais amargas possuem maior quantidade de lúpulo. Levando em conta todos os resultados, alguns pesquisadores já sugerem a ingestão moderada de cerveja por pessoas que sofrem de osteoporose.

Um estudo mais recente, de 2017, mostrou que um componente presente na cevada maltada e na cerveja ativa um receptor específico de dopamina provocando uma sensação de bem-estar e recompensa gerada pela comida. Esse estudo, conduzido na Alemanha (claro!) analisou computacionalmente 13 mil componentes de comidas e fontes naturais para entender como esse mecanismo de recompensa pela comida é modulado. Para você entender melhor, esse mecanismo é chamado de fome hedônica. É aquela sensação de felicidade que alguns alimentos proporcionam fazendo com que não consigamos parar de comer, mesmo não estando com fome. Essa sensação de felicidade é gerada quando o neurotransmissor dopamina é ligado ao receptor D2. Então o que os pesquisadores tinham em mente era descobrir alimentos ou outros produtos naturais que conseguissem, assim como a dopamina, se ligar ao receptor D2 e gerar essa sensação de felicidade. No final da análise de 13 mil substâncias, os cientistas chegaram à 17 compostos que eram capazes de se ligar ao receptor D2. Esses 17 compostos foram analisados em laboratório e o mais promissor deles foi a hordenina. Hordenina é um composto presente em cevada maltada e, consequentemente, em cerveja. Além de ser capaz de se ligar ao receptor D2, a hordenina utiliza uma rota bioquímica diferente que potencialmente leva a um efeito de prazer mais prolongado em comparação com a dopamina. O próximo passo é analisar se os índices de hordenina presentes na cerveja são suficientes para gerar essa sensação de felicidade. Pra quem adora uma cervejinha, esse ponto já está respondido.

Além desses estudos, existe uma série de outros que mostram os benefícios para a saúde de compostos fenólicos e fitoquímicos presente em cereais utilizados para a produção cervejeira. Assim como o vinho, que também possui diversos componentes benéficos, é importante ressaltar que cerveja contém álcool e pode gerar prejuízos. Além dos malefícios como problemas do fígado, o álcool também causa confusão mental, dependência e uma série de problemas. Então a palavra aqui é moderação. Beber com moderação e segurança (não vai dirigir depois de uma noitada na oktoberfest) além de ser prazeroso, pode trazer benefícios para a saúde. Então prost!

Referências:

O consumo de cerveja no Brasil. Inovare Pesquisas.

Drinking Beer Could Be Good For Your Bones, Study. Medical News Today.

Troy R. Casey and Charles W. Bamforth. Silicon in Beer and Brewing. Journal of the Science of Food and Agriculture Published Online: February 8, 2010 (DOI: 10.1002/JSFA.3884);

Beer can lift your spirits due to malted barley ingredient. ScienceDaily.

Thomas Sommer, Harald Hübner, Ahmed El Kerdawy, Peter Gmeiner, Monika Pischetsrieder, Timothy Clark. Identification of the Beer Component Hordenine as Food-Derived Dopamine D2 Receptor Agonist by Virtual Screening a 3D Compound Database. Scientific Reports, 2017; 7: 44201 DOI: 10.1038/srep44201

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia 2017

Ontem (02/10/2017) saiu a nomeação do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2017. Novamente tivemos participação de biólogos! Os cientistas premiados foram Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young “por suas descobertas de mecanismos moleculares controlando o ritmo circadiano”. As suas descobertas explicam como plantas, animais e humanos adaptam o seu ritmo biológico. Usando a mosca Drosophila melanogaster como modelo biológico, os cientistas isolaram o gene que controla o ritmo biológico diário. Eles mostraram que esse gene produz uma proteína que se acumula nas células a noite e é degradada durante o dia. Posteriormente, eles desvendaram outras proteínas que fazem parte da maquinaria celular que regula o ritmo biológico. O relógio biológico regula funções críticas como comportamento, nível de hormônios, sono, temperatura corporal e metabolismo. Hoje se sabe que grande parte dos nossos genes são regulados pelo relógio biológico e, consequentemente, um ritmo circadiano equilibrado adapta nossa fisiologia às diferentes fases do dia. Falhas na calibração do ritmo biológico estão associadas com aumento no risco de desenvolvimento de diversas doenças.

Publicações doa autores:

Zehring, W.A., Wheeler, D.A., Reddy, P., Konopka, R.J., Kyriacou, C.P., Rosbash, M., and Hall, J.C. (1984). P-element transformation with period locus DNA restores rhythmicity to mutant, arrhythmic Drosophila melanogaster. Cell 39, 369–376.

Bargiello, T.A., Jackson, F.R., and Young, M.W. (1984). Restoration of circadian behavioural rhythms by gene transfer in Drosophila. Nature 312, 752–754.

Siwicki, K.K., Eastman, C., Petersen, G., Rosbash, M., and Hall, J.C. (1988). Antibodies to the period gene product of Drosophila reveal diverse tissue distribution and rhythmic changes in the visual system. Neuron 1, 141–150.

Hardin, P.E., Hall, J.C., and Rosbash, M. (1990). Feedback of the Drosophila period gene product on circadian cycling of its messenger RNA levels. Nature 343, 536–540.

Liu, X., Zwiebel, L.J., Hinton, D., Benzer, S., Hall, J.C., and Rosbash, M. (1992). The period gene encodes a predominantly nuclear protein in adult Drosophila. J Neurosci 12, 2735–2744.

Vosshall, L.B., Price, J.L., Sehgal, A., Saez, L., and Young, M.W. (1994). Block in nuclear localization of period protein by a second clock mutation, timeless. Science 263, 1606–1609.

Price, J.L., Blau, J., Rothenfluh, A., Abodeely, M., Kloss, B., and Young, M.W. (1998). double-time is a novel Drosophila clock gene that regulates PERIOD protein accumulation. Cell 94, 83–95.


segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Links para saber mais - Personalidade dos animais

Nós estamos acostumados a não pensar em nós mesmos como animais por diversos motivos. Por conta disso, tendemos a imaginar que não compartilhamos determinados comportamentos e características com outros animais. Por exemplo, você já deve ter se surpreendido com um cão, gato, pássaro ou até mesmo um macaco desempenhando alguma tarefa relacionada a resolução de problemas. Ou ainda, você já deve ter conhecido cães da mesma raça com temperamentos completamente diferentes. Para os cães, que fazem parte da nossa rotina (mesmo que você não tenha um) é fácil imaginar que eles tenham diferentes personalidades, mas você já imaginou peixes ou mesmo aranhas com personalidades diferentes?

No caso dos peixes, não fomos somente nós que nunca imaginamos que eles tivessem uma gama de personalidades (eu confesso que nunca pensei em peixes dessa maneira). Cientistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, também não faziam ideia de que um peixe que conhecemos aqui no Brasil como barrigudinho (Poecilia reticulata) poderia demostrar comportamentos complexos na época em que começaram o estudo. Os cientistas começaram os testes de comportamentos a fim de dividir os indivíduos em dois grupos: aqueles que evitavam riscos e aqueles que encaravam riscos. O que eles acabaram encontrando foi uma variação entre indivíduos que não poderia ser traduzida de maneira tão simples. Por exemplo, num dos testes, os pesquisadores avaliavam o comportamento dos animais expostos a um ambiente novo. Alguns indivíduos se escondiam, outros tentavam escapar, outros exploravam o local e assim por diante. Uma das coisas importantes que os pesquisadores notaram foi que as diferenças entre os indivíduos eram consistentes, ou seja, os que eram mais exploradores continuavam mais exploradores independente da situação (a menos que fosse uma situação de extremo perigo na qual a maioria dos indivíduos agia de maneira similar). Por conta desse resultado, os pesquisadores agora planejam estudar se esses comportamentos tem base genética.
Fonte: http://www.guiadospeixes.com/peixe-barrigudinho/peixe-barrigudinho-agua-doce/
Já outro grupo de cientistas, da Universidade Nacional de Singapura, estudou o comportamento de aranhas da espécie Portia labiata. Novamente os cientistas foram surpreendidos pelos resultados. Em primeiro lugar, eles avaliaram a agressividade dos indivíduos de aranhas. Após separá-las em agressivas e “dóceis”, os cientistas colocavam as aranhas numa situação em que elas deveriam tomar uma decisão. O que eles viram foi que as aranhas mais agressivas tomavam decisões mais rapidamente e, surpreendentemente, as decisões rápidas eram tão acuradas quanto as decisões lentas. Esse comportamento é o contrário do que ocorre no ser humano, por exemplo, já que estudos mostram que quando tomamos decisões rapidamente, tendemos a tomar decisões erradas.
Fonte: http://tchuanye.smugmug.com/Photography/Portfolio
Depois de ler esses resultados eu provavelmente não vou mais me surpreender com alguns comportamentos dos meus cachorros.

Referências:
Thomas M. Houslay, Maddalena Vierbuchen, Andrew J. Grimmer, Andrew J. Young, Alastair J. Wilson. Testing the stability of behavioural coping style across stress contexts in the Trinidadian guppy. Functional Ecology, 2017; DOI: 10.1111/1365-2435.12981.

Fish have surprisingly complex personalities: Tiny fish called Trinidadian guppies have individual 'personalities,' new research shows. ScienceDaily.

Chia-chen Chang, Pangilinan J. Ng, Daiqin Li. Aggressive jumping spiders make quicker decisions for preferred prey but not at the cost of accuracy. Behavioral Ecology, 2016; arw174 DOI: 10.1093/beheco/arw174.

Aggressive spiders are quick at making accurate decisions, better at hunting unpredictable preys. ScienceDaily.