quinta-feira, 29 de junho de 2017

A falta de conhecimento de patógenos causadores de doenças e como isso é mais pronunciado nos trópicos.

Cientistas do mundo todo estão muito preocupados com o descaso dado a diversas doenças importantes. Na última edição da revista Nature Ecology and Evolution cientistas da Holanda, Reino Unido e Estados Unidos chamam atenção para a falta de conhecimento que temos em relação a alguns patógenos que juntos causam aproximadamente 10 milhões de mortes por ano.  Segundo a autora da correspondência, Anna-Sofie Stensgaard, professora assistente da Universidade de Copenhagen, existe um viés de atenção dado a patógenos novos (como vírus da Zika) ao passo que “velhos” patógenos permanecem praticamente desconhecidos e causando muitos danos (por exemplo, o vírus da dengue).
Quem acaba sofrendo mais com esses danos são os trópicos. Pelo seu clima quente e úmido, a proliferação de insetos é facilitada nessas regiões e, com ela, a proliferação das doenças incubadas por esses insetos. Além disso, são nessas regiões tropicais (entre as latitudes 35ºN e 35ºS) que estão concentradas as regiões mais pobres do planeta – África Subsaariana, Ásia e América Latina. O Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde, possui nove das dez doenças tropicais mais negligenciadas. Um artigo de revisão de 2013 feito por um grupo de profissionais de hospitais e universidades dos Estados Unidos e Japão mapeou mundialmente doenças infecciosas e chegou à conclusão que, das 355 doenças infecciosas identificadas, possuímos informações suficientes a respeito de somente 4% delas. Sem dados de história natural dos patógenos e das doenças, dinâmica de transmissão e ocorrência é muito difícil tomar decisões a respeito da prevenção e tratamento dessas doenças. Por exemplo, como saber aonde alocar mais recursos sem saber qual a área afetada pela doença e quais pessoas tem mais risco de serem contaminadas? Além da falta de dados, os autores dessa revisão também chamam a atenção a respeito dos dados que já existem. Alguns não foram criados com o propósito de mapear doenças e, com isso, acabam sendo de pouca utilidade para tal. No mesmo ano, um dos autores dessa revisão, Simon Hay, professor da Universidade de Oxford (UK), e colaboradores fizeram um trabalho com informações a respeito da dengue. Eles conseguiram mapear ocorrência, evidências e número de infecções a nível global, mostrando que é possível construir uma plataforma com informações sobre doenças infecciosas.
Mapa informativo com dados de evidência, ocorrência e número de infecções por região.
Portanto, a ideia de Anna-Sofie não é nova e, melhor ainda, é viável. Para provar que é possível, ela dá o exemplo de uma plataforma de sucesso de dados de biodiversidade: A Global Biodiversity InformationFacility (GBIF). A GBIF é uma plataforma que permite que qualquer pessoa, em qualquer lugar, acesse dados sobre biodiversidade. O Brasil ainda não faz parte dessa plataforma, mas mesmo assim é possível acessar informações sobre as mais de 1.6 milhões de espécies contidas nessa base de dados. Segundo Professor Carsten Rahbek, autor sênior da correspondência, após pesquisadores e governos entenderem a importância dessa base de dados para doenças infecciosas, os fundos e a colaboração de especialistas não serão difíceis de conseguir (eu achei ele bem otimista!). Ele ainda ressalta a importância desses dados no atual momento em que enfrentamos mudanças climáticas, urbanização descontrolada e agricultura intensiva. Sem esses dados, será impossível prever como esses organismos de interesse médico irão se comportar o que pode gerar uma catástrofe.

Referências:

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Vacinar ou não vacinar? Vacinar SEMPRE

Sabe aquela máxima: Não entendeu? Quer que eu desenhe? Pois foi o que fez uma editora gráfica da revista Science a respeito do benefício das vacinas. O gráfico interativo (você pode visitar AQUI) mostra o impacto da criação e uso de vacinas na prevenção de nove doenças: difteria, pólio, coqueluche, hepatite B, sarampo, catapora, hepatite A, caxumba e rubéola. É notável o quanto a incidência de doenças diminuiu a partir do momento em que a vacina para cada uma dessas doenças começou a ser usada amplamente. Por exemplo, em cinco anos após o início da vacinação para sarampo nos Estados Unidos, o número de casos diminuiu de 385.156 (1963) para 22.231 (1968). Isso representa 362.925 pessoas que deixaram de ficar doentes em apenas cinco anos. Para você ter uma ideia, esse número equivale à população de Rio Branco, no Acre.
            Gráfico mostrando a influência da vacinação na diminuição de casos de doenças. 
Já não é de hoje que existem teorias de conspiração falando sobre como vacinas podem trazer uma série de problemas desde causar autismo até encher as crianças de neurotoxinas. Uma série de mitos criados por pessoas ignorantes (no sentido de não possuir conhecimento) ou agindo de má fé simplesmente. Um dos casos de má fé foi o do médico inglês Andrew Wakefield que em 1998 publicou um artigo na revista Lancet sugerindo que a vacina tríplice para sarampo, caxumba e rubéola estaria causando autismo. Nos anos subsequentes, a taxa de vacinação em crianças de até dois anos caiu mais de 80%. Apesar disso, em 2004,um jornalista descobriu um “leve” conflito de interesses já que Andrew estaria tentando patentear a sua própria vacina tríplice E tinha recebido dinheiro de um advogado que estava tentando processar as fabricantes de vacinas. Em 2010 a revista Lancet se retratou a respeito dos resultados apresentados e, logo em seguida, o conselho médico do Reino Unido caçou a licença do Dr. Andrew.
Em outro caso, grupos anti-vacina começaram a questionar o calendário de vacinação proposto pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos). Segundo esses grupos, as crianças deveriam tomar muitas vacinas em pouco tempo, o que acarretaria uma sobrecarga no sistema imunológico dos pequenos. Essa sobrecarga, segundo esses grupos, poderia causar uma série de danos ás crianças como atrasos no desenvolvimento neurológico e diabetes. Obviamente esse mito logo foi derrubado por especialistas, já que o sistema imunológico das crianças está preparado para lidar (e lida) com milhares de antígenos estranhos todos os dias. De acordo com o calendário de vacinação do CDC, até os dois anos, uma criança recebia 300 novos antígenos através de vacinas, o que não usaria nem 0,1% do sistema imunológico das crianças.
E essas campanhas anti vacinação estão crescendo e continuam a fazer estragos. Em 2015, os Estados Unidos teve um surto de sarampo. Não foi um surto nos moldes antigos com mais de 300 mil casos, mas já foi suficiente para gerar transtornos. Foram registrados 98 casos e após o rastreamento para se chegar ao paciente zero, descobriu-se que era uma criança a qual os pais não deram vacinas. Isso gerou uma série de revoltas, desde médicos se recusando a atender pacientes sem vacinas até grupos de pais pregando pelo direito deles de decidir o que é melhor para seus filhos. O problema é que esses pais, às vezes, não conseguem ver o que está além do seu nariz. O problema e o risco não acabam nos seus filhos, vai além. Atinge os filhos dos outros.
É importantíssimo ressaltar que quando uma pessoa se vacina, ela não protege somente ela mesma. Ela protege também aqueles que não podem receber vacinas (imunocomprometidos), pois quando a maioria se vacina, a doença não se propaga. Além disso, não existem estudos sérios a respeito de grandes efeitos nocivos das vacinas, mas existem muitos estudos sobre o efeito nocivo das doenças que elas protegem, sendo o maior deles, a morte.
Portanto, pense bem, pesquise bem, utilize fontes sérias para se basear e, na dúvida, pergunte para um médico ou profissional de saúde. Sua saúde, a saúde dos seus filhos, a saúde dos filhos dos outros e a de todos nós depende disso.

Deixo abaixo o calendário de vacinação infantil do Ministério da Saúde:

terça-feira, 20 de junho de 2017

Compostos naturais para tratamento de câncer

O câncer é responsável por aproximadamente oito milhões de mortes por ano em todo mundo. No Brasil, o INCA estimou a ocorrência de quase 600 mil mortes no ano de 2016. Provavelmente você conhece alguém que faz ou fez tratamento para essa doença e imagina o quanto é difícil passar por uma quimioterapia ou radioterapia. Apesar de estarem cada vez mais precisos, esses tratamentos ainda atingem não só as células cancerígenas, mas também células saudáveis causando efeitos indesejados. Visto isso, a melhor coisa a se fazer hoje em dia é a prevenção (nos casos que são passíveis de prevenção, claro). Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1/3 das mortes provocadas por câncer são possíveis de prevenir com aumento de consumo de compostos naturais que participam de rotas de sinalização celular impedindo a proliferação de células cancerígenas e induzindo apoptose.
Seguindo essa linha de raciocínio, se é possível prevenir câncer com uma dieta saudável, então talvez também seja possível tratá-lo. É o que pesquisadores da Universidade do Texas estão tentando. Uma das suas pesquisas (artigo disponível para download AQUI) primeiramente fez um screening de diversos compostos naturais e seus efeitos em células cancerígenas (nesse caso, especificamente células de câncer de próstata). Com esse screening, os pesquisadores conseguiram identificar três compostos mais promissores: o ácido ursólico, a curcumina e o resveratrol. O ácido ursólico é um componente presente na casca da maçã e tem função anti-inflamatória e antimicrobiana que provavelmente fazem parte da defesa da planta. A curcumina é o composto que dá a cor amarela ao açafrão da terra. É um antioxidante poderoso. Já o resveratrol é uma substância encontrada nas sementes e casca de uvas pretas (assim como no vinho tinto \0/). Também é um antioxidante e estudos indicam que tem a capacidade de influenciar rotas de proliferação celular. Todos esses ingredientes são facilmente encontrados e por preços acessíveis, o que é bem importante.


Continuando com o artigo, os pesquisadores testaram essas substâncias em ratos com câncer de próstata (os ratos tiveram células cancerígenas transplantadas para o corpo). As substâncias faziam parte da dieta e não foram aplicadas como medicamentos. Foram criados grupos controles (alimentados com dieta padrão), grupos que receberam somente com uma das substâncias na dieta e grupos que recebiam diferentes combinações destas. Após 32 dias, os ratos eram sacrificados e os tumores analisados quanto ao seu peso e tamanho. Os resultados indicam que os ratos que receberam somente uma das substâncias tiveram tumores levemente menores e mais leves em relação ao grupo controle (embora essa diferença não tenha sido estatisticamente significante). Já os ratos que receberam combinações das substâncias testadas tiveram uma redução acentuada nos tumores em comparação com o grupo controle, sendo essa diferença mais marcante para os animais que receberam a combinação de ácido ursólico (maçã) e curcumina (açafrão da terra). Além disso, também foi utilizada, para fins de comparação, uma droga antineoplásica (docetaxel) em um dos grupos. Essa droga não teve efeito significativo nos tumores nas concentrações utilizadas.
Diante dos bons resultados, os pesquisadores decidiram analisar a nível celular qual o efeito dessas substâncias. Eles estudaram o efeito dos três compostos no metabolismo e em algumas proteínas chaves em rotas de sinalização celular de células cancerígenas. Novamente, a combinação de ácido ursólico e curcumina ou ácido ursólico e resveratrol produziram maiores efeitos no metabolismo e na sinalização celular causando a morte e consequente diminuição de células cancerígenas.
A conclusão desse artigo não poderia ser mais animadora. A combinação de substâncias que podem ser facilmente adicionadas na dieta não somente previnem, mas também causam um enorme efeito benéfico no tratamento de câncer (obviamente os resultados tem de ser testados em humanos). Tratar um tumor maligno sem uso de substâncias tóxicas e sem efeitos colaterais é um grande avanço. Além disso, utilizar essas substâncias em concentrações encontradas nos alimentos (sem necessidade de suplementação) é uma notícia não só animadora, mas deliciosa. Prestar atenção ao que se está comendo é muito importante em diversos aspectos e esse é só mais um deles.

terça-feira, 6 de junho de 2017

CRISPR/Cas 9 e seus efeitos colaterais

     Eu já falei aqui no blog sobre o grande método do momento: Crispr/Cas9 (Clique aqui se você ainda não leu). É um método revolucionário, mais fácil, mais rápido, mais preciso e mais barato que os outros métodos de edição de genes. Inúmeros artigos relatando as maravilhas dessa nova tecnologia estão sendo escritos (dê uma olhada aqui) e já está em curso um teste clínico em humanos para tratamento de câncer de pulmão. Eu acredito que esse método ainda será uma ferramenta muito importante no futuro, mas ainda há diversos aspectos a serem estudados.

     Todo tratamento tem seu efeito colateral e não poderia ser diferente com a terapia gênica. Uma equipe formada por profissionais de diversas universidades dos Estados Unidos fez o sequenciamento do genoma total de um animal que teve genes editados com CRISPR/Cas9. O que eles descobriram foi que, apesar de ser bastante precisa, essa técnica estava causando mutações que estavam passando despercebidas.

     Segundo os autores, a técnica causou inserções, deleções e SNPs identificadas somente no animal tratado com CRISPR (não identificadas nos animais controles). A maioria das mutações ocorreu em regiões não codificantes, mas algumas afetaram genes. Indels e SNPs causaram mutações não sinônimas em sequências codificadoras de proteínas, incluindo a inserção de stop códon- o que inviabiliza a proteína. Apesar de todas essas mutações, o rato tratado não demonstrou nenhum problema óbvio.

     A intenção da pesquisa e dos autores não é, de forma alguma, inviabilizar ou denegrir a CRISPR. O mesmo grupo, num artigo anterior, conseguiu modificar um gene e curar a cegueira de um rato com essa técnica. O que os autores esperam é que se tenha mais cautela e uma boa avaliação da precisão do método. Para eles, simplesmente utilizar algoritmos que predizem alvos não desejados não é suficiente já que nenhuma das mutações encontrada foi indicada pelo algoritmo usado. Ainda é necessário trabalhar a precisão da CRISPR e avaliar os resultados de perto.

Referências: