segunda-feira, 23 de abril de 2018

Volvo Ocean Race e o lixo nos oceanos.


A Volvo Ocean Race é a mais antiga competição de regatas que da a volta ao mundo. Ela foi criada em 1973, quando se chamava Whitbread Round the World Race. A partir de 2001 a competição foi rebatizada, graças ao patrocínio da fabricante de veículos e motores sueca, Volvo. Essa competição acontece de três em três anos e, geralmente, passa por nove ou dez etapas. Uma dessas etapas acontece aqui no Brasil, na cidade onde eu moro, chamada Itajaí. É a única parada no Brasil e na América Latina. Esse ano as regatas largaram da Espanha, passaram por Portugal, África do Sul, China, Nova Zelândia e Brasil. Ontem, dia 22 de abril, as regatas partiram novamente de Itajaí em direção a Newport (EUA), depois Reino Unido, Suécia e finalmente Países Baixos, onde será a chegada. São sete regatas participantes e esse ano uma das regatas é chamada Turn the Tide on Plastic da campanha Clean Seas das Nações Unidas. Essa regata tem objetivos específicos que envolvem divulgar e conscientizar para o problema dos lixos nos oceanos e fazer campanhas que visam a diminuição do descarte de lixo nos oceanos. Como essa competição de regatas que passa por seis continentes e dura meses, os velejadores tem uma dimensão única dos problemas causados pelos plásticos nos oceanos. Um dos objetivos, então, da regata Turn the Tide on Plastic é mostrar o que está acontecendo e desenvolver iniciativas com as cidades sede das etapas da competição. Mais um parênteses em relação à regata Turn the Tide on Plastic, ela é a única regata na qual o time é composto 50% por homens e 50% por mulheres!

Regata Turn the Tide on Plastic.

Uma das iniciativas desse ano, aqui em Itajaí, foi a assinatura de um compromisso da cidade em relação à limpeza dos mares. Itajaí foi a primeira cidade da América Latina a assinar esse acordo com a ONU Meio Ambiente que envolve políticas para a redução de plásticos nos oceanos. Para começar essa redução, a etapa de Itajaí aboliu a utilização de copos e canudos plásticos descartáveis durante o evento. Durante 17 dias de evento, copos reutilizáveis (e bonitos, por sinal) foram vendidos. Depois do uso do copo, a pessoa tinha a opção de levar para casa ou devolver e retirar o valor que pagou. Com essa iniciativa, o evento de regatas aqui em Itajaí deixou de utilizar mais de 500 mil copos descartáveis. A assinatura do compromisso entre Itajaí e ONU Meio Ambiente aconteceu durante um ciclo de palestras com o tema “O Futuro dos Oceanos”. As palestras foram ministradas por profissionais de diversas áreas (políticos, professores, presidentes de associações envolvidas com questões ambientais, etc.) e foram discutidos problemas causados pelos plásticos nos oceanos, políticas públicas que visam redução do uso dos plásticos, contribuição individual para redução, reciclagem, entre outros assuntos.
Assinatura do compromisso Clean Ocean entre a cidade de Itajaí e a ONU Meio Ambiente.

Diversos pontos importantes foram ressaltados nessas palestras, teve vídeos mostrando a situação calamitosa de algumas partes dos oceanos, depoimento da velejadora brasileira (que está participando da competição) Martina Grael, mas o que mais me tocou foram os pontos que mostravam o que eu e você, como indivíduos, podemos fazer. Diversas vezes nós pensamos que uma pessoa não faz diferença, um copo a mais ou a menos que usamos não vai resolver o problema do lixo nos oceanos, mas na verdade não é bem assim. Um copo conta, um canudo conta, um saquinho conta. Cada um de nós exerce um impacto enorme no meio ambiente e cada um de nós tem a escolha de exercer menos impacto. O nosso esforço é importante. Reciclar é importante, mas a palavra da vez agora é REDUZIR. Reduzir o consumo e procurar alternativas mais sustentáveis que fortaleçam a economia local são dois pontos chave para que nosso impacto seja reduzido. Em uma das palestras, da Youtuber e criadora do projeto "Menos 1 lixo", ela deu nome a esse poder que nós, como consumidores, podemos exercer ao procurar alternativas mais sustentáveis: ela chamou de "o poder da carteira". Isso me chamou muita atenção, pois é uma coisa que eu pratico, na medida do possível, na minha vida como consumidora. Pra mim, era uma coisa intuitiva do tipo "se uma marca não me oferece oportunidades de produtos mais sustentáveis, eu não compro essa marca". Isso funciona não só para cobrar responsabilidade ambiental da marca, mas também para diversas outras coisas, como respeito ao consumidor, respeito aos funcionários e às leis, etc.












Então a mensagem que eu queria deixar e a mensagem que a etapa da Volvo Ocean Race deixou aqui na cidade é: você tem uma grande responsabilidade sobre o que está acontecendo e você pode mudar o futuro. Reveja suas opções, seu consumo, suas necessidades e parta para a ação!


Referências:

Vídeos:








Documentários: 
Trashed: https://vimeo.com/140888282

Uma Gota:https://umagota.com.br/

Notícias:
https://www.itajai.sc.gov.br/noticia/20151/itajai-stopover-reduz-prejuizo-ao-meio-ambiente-ao-abolir-uso-de-copos-descartaveis#.Wt3lpMgvzIU

http://vivaitajai.com.br/blog/2018/04/16/ciclo-de-palestras-o-futuro-dos-oceanos-18-04-1230-1900h/

https://almanautica.com.br/2018/04/19/itajai-assina-acordo-ambiental/

https://www.volvooceanrace.com/en/sustainability/36_Turn-the-tide.html



sexta-feira, 23 de março de 2018

Produzindo cervejas mais sustentáveis


Tudo começou com um cara, Charles Denby, que gostava de cerveja e sustentabilidade. Ele foi trabalhar num dos maiores laboratórios de pesquisa de combustíveis para transporte sustentável na Universidade Berkeley na Califórnia, o Keasling Lab. O foco do laboratório é manipular micro organismos os fazendo produzir alguns metabólitos, principalmente terpenos, que podem ser usados na indústria farmacêutica, cosmética e, claro, combustíveis. Entre produção de cerveja caseira e o trabalho do laboratório, Denby percebeu que as moléculas que davam à cerveja o sabor lupulado eram terpenos e pensou que não seria tão difícil fazer leveduras produzirem terpenos com sabor de lúpulo em concentrações iguais as usadas na cerveja.

Figura 1: Florescência do lúpulo.
Mas você talvez esteja se perguntando: o que isso tem a ver com sustentabilidade? Bom, o lúpulo usado na cerveja é uma cultura que usa muita água e muita energia, além dos custos ambientais de transporte. Atualmente os maiores produtores de lúpulo são a Alemanha e os Estados Unidos. O clima e condições do solo fazem com que produzir lúpulo em outros lugares seja caro e desafiador. O solo no qual o lúpulo é plantado necessita de bastante trabalho para evitar a compactação, pois a cultura é parcialmente inundada. Cada hectare de produção de lúpulo utiliza, em média, 5000 m3 de água (5.000.000 litros). Estima-se que anualmente se use 100 bilhões de litros de água para irrigar culturas de lúpulo. Outro problema é que, assim como qualquer cultura, o lúpulo varia muito em quantidade e qualidade de óleo essencial de um ano para outro, fazendo com que produzir uma cerveja com as mesmas características entre um lote e outro seja um desafio para os cervejeiros.

Com isso em mente, Denby, autor principal do artigo, começou a estudar as possibilidades de produzir uma levedura geneticamente modificada que fosse capaz de sintetizar metabólitos que imitariam o sabor do lúpulo na cerveja. Para saber quais metabólitos a levedura deveria produzir, primeiro foi necessário descobrir quais terpenos do lúpulo são identificados pelo paladar humano na cerveja. Foram identificados dois monoterpenos, o linalol e o geraniol. Após isso, eles tiveram que inserir alguns genes nas leveduras para que elas fossem capazes de produzir todas as proteínas e enzimas necessárias para a produção de linalol e geraniol. Por causa de uma peculiaridade das leveduras utilizadas na produção de cerveja, esse processo foi bem desafiador. Ao invés de um set de cromossomos, elas possuem quatro, portanto é necessário garantir que todos os genes necessários para a produção dos monoterpenos estivessem inseridos nos quatro sets de cromossomos, caso contrário, futuras gerações de leveduras poderiam não apresentar os genes de interesse. Outro ponto interessante é que não se conhece bem a rota bioquímica que leva a produção de linalol e geraniol no lúpulo. Por causa disso, os pesquisadores utilizaram genes para a produção desses metabólitos retirados da menta e do manjericão.
Figura 2: Durante o processo de fabricação de cerveja, a levedura converte o mosto (um extrato de cevada rico em açúcares para fermentação) em etanol e outros produtos. Lúpulo é adicionado imediatamente depois, durante ou após a fermentação para dar sabor lupulado. Cepas de levedura que produzem linalol e geraniol, componentes primários do sabor do lúpulo, substituiriam a adição de lúpulo. Adaptado de Denley et al.
Após a inserção dos genes para a produção de monoterpenos, a escolha das cepas de leveduras utilizadas para a fabricação de cerveja foi baseada na capacidade de fermentação destas. Uma vez escolhidas, passou-se para a fase de testes de consistência, ou seja, os pesquisadores queriam saber se diferentes lotes de cerveja fabricados com as leveduras teriam as mesmas características quanto ao sabor do lúpulo. Eles pediram, então, para um conceituado produtor de cerveja da região produzir lotes com as cepas de leveduras mais promissoras. Foi constatado que os níveis de monoterpeno se mantinham estáveis quando as leveduras modificadas geneticamente eram utilizadas. Já quando eles fizeram esse mesmo teste utilizando lúpulo, os níveis de ambos monoterpenos, linalol e geraniol, variaram significativamente. Foram feitos também testes cegos com degustadores para comparar a percepção de sabor e aroma das cervejas produzidas com leveduras modificadas e das cervejas produzidas com lúpulo. O resultado foi que as cervejas produzidas com leveduras modificadas foram consideradas mais lupuladas e melhores que as cervejas produzidas de maneira tradicional.

O resultado desse projeto foi a criação de uma start up chamada Berkeley Brewing Science, por Denley e Rachel Li (segunda autora do artigo e estudante de doutorado). Eles esperam produzir e distribuir, em escala industrial, leveduras capazes de biosintetizar diversos aromas e sabores utilizados na produção cervejeira.



Referências:
-Charles M. Denby, Rachel A. Li, Van T. Vu, Zak Costello, Weiyin Lin, Leanne Jade G. Chan, Joseph Williams, Bryan Donaldson, Charles W. Bamforth, Christopher J. Petzold, Henrik V. Scheller, Hector Garcia Martin, Jay D. Keasling. Industrial brewing yeast engineered for the production of primary flavor determinants in hopped beer. Nature Communications, 2018; 9 (1).

-Brewing hoppy beer without the hops: Using CRISPR-Cas9, scientists imbue yeast with ability to make flavor components of hops. ScienceDaily. ScienceDaily, 21 March 2018.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A história (amarga) do açúcar

Documentos de estudos financiados pela indústria do açúcar foram recentemente descobertos e analisados por um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia (USA). Os resultados dos estudos ligam o uso da sacarose ao aumento de lipídios no sangue, doenças do coração e até câncer na bexiga. Por muitos anos a indústria escondeu esses estudos e todos os projetos foram cancelados sem que os resultados fossem publicados. Indústrias escondendo documentos que comprovem que seus produtos não fazem bem à população não é uma manobra nova na era capitalista. A indústria do tabaco fez isso por muitos anos, negando veementemente a ligação entre tabaco e doenças do coração e pulmão. Recentemente, a indústria química de agrotóxicos continua a fazer isso, alegando que seus produtos não causam nenhum tipo de risco à saúde ou ao meio ambiente, apesar de existirem diversos estudos independentes mostrando o contrário.

O começo (até onde se sabe) da história foi em 1967 quando uma entidade americana representante das indústrias de açúcar, a Sugar Research Fundation - SRF (Fundação de Pesquisa em açúcar – tradução livre), financiou uma revisão publicada no periódico New England Journal of Medicine descartando evidências que mostravam a ligação entre consumo de açúcar e maior probabilidade de adquirir doença coronariana (também conhecida como aterosclerose coronariana). A doença é caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura nas artérias e pode levar a um ataque cardíaco. Nessa revisão de 1967, na qual se comparou uma dieta rica em açúcar em uma dieta rica em amido, uma das sugestões foi que a microbiota intestinal pudesse ter um papel nas consequências advindas dessas dietas. Uma das dúvidas era se a microbiota intestinal pudesse interferir no aumento de triglicerídeos no sangue quando o animal era alimentado com uma dieta rica em açúcar. Para responder essa e outras dúvidas e poder controlar os resultados bem de perto, em 1968 a SRF iniciou o financiamento de um projeto chamado Project 259. O objetivo da pesquisa era avaliar os efeitos nutricionais da microbiota do trato intestinal comparando dietas ricas em sacarose e amido. Como modelos animais para o estudo foram escolhidos camundongos germ-free, ou seja, animais que não possuíam bactérias intestinais ou quaisquer outras formas de vida associada (patógenos, fungos, protozoários, etc). Vale ressaltar aqui que na revisão de 1967 do New England Journal of Medicine, uma das conclusões foi que esse modelo de animal tinha pouca utilidade para esse tipo de estudo, o que hoje se sabe não ser verdade. Fica aqui a questão do por que esse modelo foi escolhido já que contrariava os “resultados obtidos” do estudo anterior. Ao pesquisador escolhido para conduzir o estudo foi concedido pouco mais de 29 mil dólares (o que equivaleriam hoje a aproximadamente 187 mil dólares) entre os anos de 1968 e 1970.

Um dos primeiros resultados do Project 259 foi a descoberta da diferença dos níveis de um inibidor de beta glucorinidase entre animais alimentados com a dieta rica em açúcar ou com uma dieta padrão (com cereais e amido). Isso significava que os ratos alimentados com açúcar tinham mais beta glucorinidase. Em 1960, já se sabia que níveis maiores dessa enzima na urina era associado com câncer de bexiga. Hoje se sabe que, além de ser associada ao câncer de bexiga, essa enzima também tem um papel no desenvolvimento da aterosclerose e problemas renais. Esse resultado era muito importante, pois uma lei de 1958 postulava que qualquer alimento que pudesse causar câncer quando ingerido por animais seria retirado da lista de alimentos seguros do FDA. Portanto, se publicados, esses resultados teriam implicações regulatórias para a indústria do açúcar.

Já em agosto de 1970, o pesquisador responsável pelo Project 259 reportou ao SRF resultados preliminares sobre a implicação da microbiota nos níveis de triglicerídeos dos animais com dieta rica em açúcar. Segundo ele, é possível notar um decréscimo significativo de triglicerídeos nos ratos germ-free alimentados com dieta rica em açúcar quando comparado com ratos alimentados com a dieta padrão. Além disso, os ratos que recebiam açúcar ainda mostravam um aumento, não tão expressivo, de colesterol. O próximo passo, segundo o pesquisador, era “contaminar” esses animais com uma microbiota e demonstrar o aumento de triglicerídeos no sangue dos ratos alimentados com a dieta rica em açúcar. Para realizar os experimentos, o cientista informava que precisaria de 18 semanas adicionais. Em setembro do mesmo ano, em uma reunião de executivos da SRF (reunião que mudaria o nome SRF para ISRF – I de International), o vice-presidente da fundação classificou o Project 259 como “sem valor” e declarou que a fundação não mais financiaria o projeto. Caso não tenha ficado claro, foram 15 semanas antes do prazo pedido pelo pesquisador! Em 1974, em um comunicado interno, a ISRF faz uma interpretação dos resultados do Project 259 em que confirma a indicação de que a microbiota intestinal parece ter um papel no aumento de triglicerídeos induzido pela sacarose.

Baseado na análise dos documentos, a ISRF sabia da associação entre o consumo de sacarose e o aumento de triglicerídeos (e posterior risco de doença coronariana), mas também sabia que a divulgação desses resultados ia contra os interesses comerciais da indústria. Além disso, a publicação dos resultados ligando o consumo de açúcar com o risco de câncer na bexiga teriam implicações regulatórias, já que a sacarose poderia ser retirada da lista de alimentos seguros do FDA. Em 2016, a Sugar Association publicou uma nota criticando os resultados publicados no periódico Cancer Research em que foi demonstrado que uma dieta rica em açúcar induz um aumento no crescimento de tumores e risco de metástase quando comparado com dietas com base de amido. Na nota, a associação diz que não há nenhuma ligação plausível entre o consumo de açúcar e o risco de desenvolvimento de câncer.

Ahãm, tá (S)erto!

Referências:
Cristin E. Kearns, Dorie Apollonio, Stanton A. Glantz. Sugar industry sponsorship of germ-free rodent studies linking sucrose to hyperlipidemia and cancer: An historical analysis of internal documents. PLOS Biology, 2017; 15 (11): e2003460 DOI: 10.1371/journal.pbio.2003460.

Sugar industry withheld evidence of sucrose's health effects nearly 50 years ago, study shows. ScienceDaily.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Links para saber mais - Como a canela pode ajudar na perda de peso

Muitas dietas contam com a ajuda de especiarias que, se acredita, tenham efeito no metabolismo ajudando a perder peso. Para a maioria delas não há ainda provas científicas que atestem esse efeito, mas, no mês de dezembro, um artigo que será publicado no periódico Metabolism traz algum entendimento sobre como uma dessas especiarias, a canela, pode ajudar na luta contra a obesidade.

Um dos óleos essenciais da canela, o cinamaldeído, já era conhecido por ter um papel na proteção contra obesidade e hiperglicemia em ratos. Apesar disso, os mecanismos envolvidos nessa proteção ainda eram desconhecidos. Além de desvendar como o cinamaldeído agia em ratos, os cientistas também queriam saber se o efeito era semelhante em humanos. Para resolver esse problema, os pesquisadores trataram células de gordura (adipócitos) retiradas de doadores humanos de várias idades, raças e índices de massa corporal com cinamaldeído e avaliaram a expressão dos genes dessas células. O resultado foi a expressão de uma série de genes e enzimas responsáveis pelo metabolismo de lipídios, além de duas proteínas regulatórias muito importantes, a ucp1 e Fgf21. Essas proteínas estão envolvidas em um processo chamado termogênese que é a indução da queima de energia pelas células.

O processo de estocagem de energia pelas células (no caso dos adipócitos, em forma de lipídios) é um processo muito importante. Não fosse ele, nossos ancestrais, que não tinham tanto acesso a alimentos, não teriam sobrevivido. O problema é que a nossa sociedade tem acesso rápido e fácil a alimentos e principalmente, a alimentos ricos em gorduras e açúcares. Nossas células não sabem disso, obviamente, e por isso continuam a armazenar energia, mesmo que a nossa geladeira esteja cheia e não precisemos passar horas numa savana atrás da próxima refeição. Resultado disso é a epidemia de obesidade que presenciamos hoje. Com os resultados da pesquisa do cinamaldeído, os pesquisadores pretendem criar maneiras de usar o processo de termogênese para auxiliar na perda de peso de indivíduos obesos. Como a canela já é um ingrediente tradicional em diversos tipos de culinária, os cientistas acreditam que ela seja mais bem recebida pelos pacientes do que medicamentos receitados normalmente. Além disso, ela é natural e uma delícia!

Referências:
Cinnamon turns up the heat on fat cells. ScienceDaily.

Juan Jiang, Margo P. Emont, Heejin Jun, Xiaona Qiao, Jiling Liao, Dong-il Kim, Jun Wu. Cinnamaldehyde induces fat cell-autonomous thermogenesis and metabolic reprogramming. Metabolism, 2017; 77: 58 DOI: 10.1016/j.metabol.2017.08.006.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Links para saber mais - Como o vírus da zika ataca o cérebro em desenvolvimento?

Já foi provado que o vírus da zika pode provocar uma série de problemas para o feto quando a mãe é infectada durante a gravidez. O que cientistas ainda não sabiam era como o vírus se espalhava e quais células do feto ele infectava. A colaboração de pesquisadores da Universidade da Califórnia e da Universidade de São Paulo foi fundamental para responder essa dúvida.

Os cientistas descobriram que o início da infecção se dá em células chamadas micróglias durante a embriogênese. As micróglias são células responsáveis pela defesa do sistema nervoso central removendo células danificadas e agentes infecciosos e são originadas no saco vitelínico. Através do cultivo dessas células, eles descobriram que as micróglias expostas ao vírus da zika agem como macrófagos englobando o vírus. Até ai tudo certo, já que esse é o seu trabalho. O problema acontece quando essas micróglias entram em contato com outras células que vão dar origem ao sistema nervoso central durante a embriogênese. Quando acontece esse contato com células não infectadas, as micróglias passam o vírus adiante infectando células que vão formar o sistema nervoso central. A infecção dessas células vai acabar gerando uma série de problemas neurológicos, incluindo a microcefalia.
Células da micróglia (verde) sendo infectadas pelo vírus da Zika (azul). Crédito da imagem: Universidade da Califórnia. 

Outro resultado do estudo foi que os cientistas testaram se uma droga antiviral utilizada para tratamento de hepatite C tinha efeito sobre a multiplicação e poder de infecção do vírus da zika nessas células responsáveis pela formação do sistema nervoso central. A droga chamada Sofosbuvir (comercializada com o nome Sofaldi®) foi capaz de impedir a morte celular de células infectadas e diminuir a carga viral no embrião. Esses testes foram feitos in vitro, ou seja, em cultura celular e não em seres vivos. Ainda é necessário investigar se esses efeitos se repetem em animais, mas os pesquisadores estão otimistas quanto aos resultados.

Esses resultados são muito importantes, principalmente no Brasil que enfrentou a maior epidemia de vírus da zika. Somente no início deste ano foi visto uma pequena queda nos números de pessoas infectadas, mas ainda há muito trabalho pela frente. Milhares de pessoas, principalmente mulheres e crianças, sofreram um impacto muito grande por conta dessa infecção. É sempre bom lembrar que todos nós podemos ter um papel na diminuição e erradicação do vírus e do mosquito transmissor não deixando água parada. Prevenir é sempre o melhor remédio.

Quer saber mais sobre zika? Veja os links aqui do blog:

Estratégias para redução de epidemias causadas por insetos- Zika e Dengue em foco.


Pinar Mesci, Angela Macia, Christopher N LaRock, Leon Tejwani, Isabella R Fernandes, Nicole A Suarez, Paolo M de A Zanotto, Patricia C B Beltrão-Braga, Victor Nizet, Alysson R Muotri. Modeling neuro-immune interactions during Zika virus infection. Human Molecular Genetics, 2017; DOI: 10.1093/hmg/ddx382.

Atualização dos dados epidemiológicos da Zika. Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O que determina a quantidade de insetos dentro de casa?

Todo mundo já se deparou, uns mais outros menos, com insetos dentro de casa. De baratas (eca) a besouros ninguém está livre de dividir o lar com esses organismos. Alguns podem fazer mal, como aranhas venenosas, mas a maioria não apresenta nenhum perigo, pelo contrário, pode até contribuir com a nossa saúde. Quais são os fatores que influenciam a nossa casa a ser mais ou menos povoada pelos insetos? É o que cientistas de um grande projeto que visa entender melhor a diversidade de insetos dentro das casas e o impacto que eles tem na nossa vida estão conseguindo responder.

No dia 10 de novembro foi publicado um trabalho com alguns resultados desse grande projeto. Nesse artigo, os cientistas mostraram quais fatores afetam a diversidade e composição da comunidade de artrópodes dentro de casa. Nessa etapa foram avaliadas 50 casas situadas na Carolina do Norte (EUA). Características como o nível da sua casa em relação à rua, o tamanho dos cômodos e a quantidade de portas e janelas da sua casa afetam a quantidade e a diversidade de insetos dentro dela. Por exemplo, casas no mesmo nível da rua ou abaixo possuem maior diversidade de insetos que apartamentos, assim como casas com cômodos maiores e mais aberturas (portas e janelas) também tendem a serem mais povoadas. Em geral, cômodos mais usados como salas de estar e jantar possuem mais insetos que quartos, cozinhas e banheiros. Cada cômodo da casa pode ser considerado um ecossistema diferente que possui uma estrutura ecológica com predadores e presas. Os cientistas viram que esse tipo de padrão é bem parecido com o que ocorre em ilhas, em que cada ilha possui fauna e flora própria e um ecossistema isolado.
Figura 1: Esquema mostrando as características que afetam a diversidade de insetos dentro de casa. A figura mostra que porões abrigam comunidades diferentes de insetos comparados com o resto da casa (por causa de características como umidade e luminosidade), cômodos mais comuns abrigam maior diversidade de insetos assim como cômodos com mais portas e janelas. A diversidade de insetos também aumenta em cômodos revestidos com carpete, mas não é afetada pela presença de animais domésticos. Quanto mais alto em relação ao nível da rua um cômodo está, menor é a diversidade e quantidade de insetos que ele possui. Figura retirada do artigo original (ver referências).

Outras características avaliadas foram a arrumação da casa e a presença ou ausência de animais domésticos. Uma casa bagunçada, em geral, não abriga mais insetos que uma casa arrumada (com exceção somente para aranhas da família Polcidae que são aquelas aranhas com pernas bem fininhas e inofensivas aos seres humanos). Presença de animais domésticos e plantas também NÃO fazem diferença quando o assunto são insetos dentro de casa. Então, tá liberado dormir com o cachorrinho e gatinho na cama e se alguém reclamar você pode mostrar esse texto! Outra coisa que não influencia nada é a aplicação de pesticidas dentro de casa. Eles resolvem o problema pontualmente, matam aquela barata chata e os mosquitos, mas não deixam sua casa livre de insetos como dizem os comerciais.

Figura 2: Gráfico mostrando os resultados da comparação da riqueza de insetos dentro de casa com ou sem animais de estimação. Não teve diferença significativa a presença ou ausência de gatos ou cachorros em relação à riqueza de insetos nas casas. Figura retirada do artigo original (ver referências).
Em suma, o estudo sugere que independente do que você tem dentro de casa, é o ambiente ao redor e a quantidade de acessos para dentro de casa que vai definir a diversidade de insetos que povoam a sua residência. Outra conclusão do estudo que é bem interessante é o benefício que esses organismos podem ter para nós. Segundo uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, nós estamos cada vez com menos contato com a diversidade biológica que nos cerca e isso pode gerar uma série de problemas, desde imunológicos (veja aqui o texto sobre os benefícios da sujeira para crianças) até intestinais (veja aqui a importância de uma flora intestinal bem diversa). Esses insetos que povoam nossas casa podem, então, nos ajudar a entrar em contato com uma diversidade de microrganismos que podem melhorar a nossa saúde.

Referências:

Scientists investigate how different houses and lifestyles affect which bugs live with us: A survey of urban households reveals how room layout and indoor lifestyle impacts the diversity of our tiniest roommates. ScienceDaily.

Artigo original:
Misha Leong, Matthew A. Bertone, Amy M. Savage, Keith M. Bayless, Robert R. Dunn, Michelle D. Trautwein. The Habitats Humans Provide: Factors affecting the diversity and composition of arthropods in houses. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-15584-2

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Links para saber mais - Cetáceos possuem sociedade e cultura semelhante aos humanos

Todo mundo que já viu ou leu Guia do Mochileiro das Galáxias sabe (ou desconfia) que os golfinhos são mesmo mais inteligentes que nós. Por exemplo, golfinhos nunca elegeriam Trump para presidente, o que já mostra um intelecto bem avançado. Sabendo disso, cientistas de universidades do Reino Unido, EUA e Canadá resolveram estudar se existia algum tipo de cultura nas sociedades de golfinhos, baleias e botos (cetáceos) e o que era responsável por comportamentos considerados complexos.

Esse é o primeiro estudo que cria um enorme banco de dados cruzando informações de comportamentos complexos ao tamanho do cérebro dos cetáceos. A hipótese é que os cetáceos são considerados um dos animais mais inteligentes do planeta justamente pela relação de tamanho entre cérebro e corpo. A lista de comportamentos mostra diversas semelhanças com comportamentos humanos e primatas:

-Complexas relações de aliança – trabalham juntos para benefício mútuo;

-Transferência social de técnicas de caça – ensinamentos de como caçar utilizando ferramentas;

-Caça cooperativa;

-Complexas vocalizações, incluindo DIALÉTOS REGIONAIS E DE GRUPOS – Basicamente eles conversam;

-Mimetismo vocal e “apitos exclusivos” únicos de alguns indivíduos – ELES TEM NOMES;

-Cooperação interespecífica com outras espécies, incluindo o homem;

-Cuidado parental de filhotes e jovens que não são sua prole;

-Brincadeiras sociais.


Segundo uma das pesquisadoras envolvidas no trabalho, eles tiveram o mesmo caminho evolutivo de desenvolvimento de inteligência pelo qual passaram primatas e humanos. Ela diz que eles só não serão capazes de imitar nossos avanços tecnológicos porque não desenvolveram polegares opositores. Outra neurocientista que participou da pesquisa afirma que, na sua opinião, apesar de existirem diferenças entre estruturas cerebrais de humanos e cetáceos, esse não o motivo pelo qual eles não atingem graus mais elevados de habilidades sociais e cognitivas. Ela ainda afirma que, justamente, apesar dessas diferenças estruturais, ambas as espécies evoluíram de maneira a mostrar comportamentos cognitivos e sociais muito semelhantes.

Referências:
Whales and dolphins have rich 'human-like' cultures and societies. ScienceDaily.

Kieran C. R. Fox, Michael Muthukrishna, Susanne Shultz. The social and cultural roots of whale and dolphin brains. Nature Ecology & Evolution, 2017; DOI: 10.1038/s41559-017-0336-y