sexta-feira, 26 de maio de 2017

O tema que é sempre um tabu: Drogas

O cenário está mudando. Pouco a pouco diversos países tem mudado a maneira como tratam usuários de drogas (vamos esquecer por um breve momento como o prefeito de SP tratou os usuários da cracolândia essa semana) e a maneira como veem as drogas. No início desse mês, a ANVISA mudou o Denominação Comum Brasileira (DCB) da Cannabis, passando a considerá-la como planta medicinal. Para evitar confusões, segundo a própria ANVISA, esse fato não é o reconhecimento da Cannabis como planta medicinal (Hein?). A inclusão da Cannabis no DCB como planta medicinal não implica reconhecê-la como tal, somente indica que ela tem potencial para ser uma planta medicinal (através de pesquisas) ou pode ser importada como planta medicinal ou utilizada como insumo farmacêutico que receba essa nomenclatura (confuso, mas ok).


O caminho ainda está sendo percorrido lentamente, mas é fato que nos últimos anos tem existido mais visibilidade sobre questões de legalização, uso de drogas, tratamentos, pesquisas, etc. Só no Brasil, por exemplo, desde 2015, a ANVISA vem tomando medidas que facilitam a importação, uso e prescrição de medicamentos a base de canabidiol. Ainda está longe de ser o cenário ideal, mas estamos chegando lá. A área de pesquisa também se beneficia com todo o debate. Além de a importação de substâncias derivadas da maconha ficar cada vez menos burocrática, as pessoas começam a entender e perder um pouco do preconceito em relação ao uso terapêutico da droga. Esse ano, a USP de Ribeirão Preto, anunciou o primeiro centro de pesquisas em canabidiol do Brasil. Além desse centro, ainda existem pesquisadores de outras universidades (UNB, UNIFESP, UFRGS por exemplo) estudando efeitos terapêuticos de substâncias extraídas da maconha. Segundo pesquisadores da área, o Brasil está se tornando referência em pesquisa no tema.
Para além da maconha, também foi publicado esse mês o estudo anual da Global Drug Survey (GDS) com mais de 115 mil questionários analisados. GDS é uma companhia de pesquisa independente que tem por objetivo tornar o uso de drogas mais seguro, independente da questão da legalização. Para isso, eles fornecem informações baseadas em pesquisas com indivíduos, comunidade, organizações de saúde e policiais. Todo ano eles publicam uma pesquisa que mostra como o mundo das drogas está se modificando, questões de segurança e tendências de uso de novas drogas. Esse ano, o Global Drug Survey 2017 utilizou dados de 25 países para compor uma análise sobre diversos aspectos das drogas. Segundo os dados, 79% dos entrevistados já utilizaram drogas ilegais e mais de 99% já usaram drogas legalizadas. As drogas mais utilizadas foram álcool (98,7%), seguida pela Cannabis (77,8%) e tabaco (63,1%). Segundo o GDS, a metanfetamina foi a droga que mais causou atendimentos médicos após o uso, ao passo que cogumelos alucinógenos foi a que teve menos registro de problemas médicos após o uso. Com uma linguagem simples, clara e leve, eles explicam os resultados da pesquisa e dão dicas para o uso mais seguro. Um dos tópicos abordados foi a porcentagem de pessoas que gostariam de usar menos determinada droga e quantas dessas pessoas precisariam de ajuda para realizar essa tarefa. O objetivo do GDS não é somente a pesquisa, mas através dos dados adquiridos, eles produzem diversos guias que auxiliam o usuário a utilizar drogas de maneira mais segura, além de indicar possíveis problemas de dependência e como resolvê-los.

Ainda estamos longe de poder tratar esse tema de maneira imparcial e livre de preconceitos, mas pesquisas como a da GDS e das universidades brasileiras ajudam a desmistificar e trazem informações de qualidade que dão base ao debate. Usuários terapêuticos, recreativos e sociedade como um todo só tem a ganhar com essa discussão.

Referências:
-RDC Nº 156 de maio de 2017. Inclui a Cannabis na lista de plantas medicinais.
-http://portal.anvisa.gov.br/rss/-/asset_publisher/Zk4q6UQCj9Pn/content/id/3401316
-http://g1.globo.com/bemestar/noticia/anvisa-inclui-cannabis-sativa-em-lista-de-plantas-medicinais.ghtml
-http://jornal.usp.br/universidade/usp-tera-primeiro-centro-de-pesquisa-em-canabidiol-do-pais/
-http://istoe.com.br/364676_MACONHA+MEDICINAL+NO+BRASIL/
-https://www.revide.com.br/editorias/novidade/pesquisas-em-canabinoides-49/
-https://www.globaldrugsurvey.com/

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Biologia precisa de mais cientistas profissionais

     A matéria, da Revista Nature, fala sobre como profissionais independentes podem trazer avanço à ciência de uma maneira que laboratórios e profissionais ligados a universidades dificilmente conseguem. Além disso, é uma maneira de manter pessoas talentosas pesquisando.
     Um dos exemplos é a cientista Stacey Gabriel, a qual foi co-autora de 25 dos papers mais citados em 2015. Ela trabalha no Broad Institute, uma instituição criada em 2004 com o intuito de ajudar a responder questões complexas na área de biomedicina. A fórmula do sucesso de Broad Institute, e consequentemente da Stacey, é unir cientistas de diversos ramos da ciência e trabalhar de maneira integrada. A ideia é colaborar em grandes projetos, muito além de teses de doutorado ou pós, de maneira criativa e ambiciosa respondendo a grandes questões da ciência.
     A matéria também fala de outros exemplos de sucesso, principalmente na área da física, como o CERN e Jet Propulsion Laboratory. As ciências biomédicas também contam com outros exemplos de laboratórios e institutos como o Broad, mas ainda são poucos. Segundo o artigo, uma das maiores dificuldades é quebrar a resistência de pesquisadores filiados a universidades preocupados com a concorrência por espaços e recursos destinados à ciência. Além disso, cientistas profissionais competem com a “mão-de-obra barata” de estudantes de pós-graduação. Stacey explica que o intuito desses institutos é colaborar e responder questões que para laboratórios convencionais seriam muito desafiadores. Ela ainda diz que cientistas profissionais permitem às instituições terem projetos com escopo e escala sem precedentes. Além disso, criaria empregos para diversos pesquisadores talentosos, que adoram ciência e tecnologia, mas não querem correr atrás das escarças vagas ligadas a universidades.

Para ler a reportagem completa é só acessar esse link!
Para saber mais sobre o Broad Institute, clique aqui.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Ciclo de Krebs e a escadinha para o descobrimento do início da vida

     Todo mundo que prestou um pouco de atenção às aulas de ciências e biologia durante o colégio deve se lembrar, mesmo que vagamente, do Ciclo de Krebs (ou Ciclo do Ácido Cítrico). Rapidamente, o ciclo de Krebs é na verdade uma série de reações químicas que acontecem no interior das mitocôndrias e utiliza ácido produtos da degradação da glicose e oxigênio (entre vários outros precursores) para gerar energia em formato de ATP e precursores de outras vias metabólicas importantes.

     Existem diversas teorias sobre o início e a ubiquidade do ciclo, já que ele está presente em todos os organismos eucariotos. Uma delas diz que o ciclo de Krebs é anterior aos seres vivos, propondo que ao menos partes das suas reações teriam ocorrido de maneira inorgânica no ambiente sem a necessidade de enzimas (que não poderiam existir, já que não existiam seres vivos, nem DNA, nem RNA e muito menos proteínas). Um crítico dessa teoria era o cientista Leslie E. Orgel (autor da hipótese do mundo de RNA). Segundo ele, em um artigo publicado após sua morte, a hipótese de que ciclos metabólicos tenham existido de maneira inorgânica é baseada em pesquisas, as quais apesar de levar em conta a possibilidade dessas reações, se esquecem da probabilidade delas acontecerem, da viabilidade dos compostos e, muitas vezes, propõe cenários irreais para o acontecimento dessas vias. A meu ver, sua crítica não era a respeito da teoria em si, mas da falta de avaliação crítica dos resultados.
     Em 2011, quando cientistas da NASA encontraram compostos que participam do ciclo de Krebs em um meteorito carbonáceo, a discussão ficou mais acirrada. Então, em 2017, foi publicado um estudo que analisou a possibilidade das reações do ciclo de Krebs acontecerem sem a necessidade de enzimas, ou seja, de maneira totalmente inorgânica. É importante dizer que esse trabalho foi baseado nos resultados de aproximadamente 4.850 experimentos (!) que analisaram a reatividade de intermediários do ciclo de Krebs na presença de típicos constituintes de sedimentos da era arqueozoica. Na minha humilde opinião, esse artigo foi uma resposta, à altura, das críticas de Orgel.
     Nesse trabalho, de Keller e colaboradores, foram testadas diversas combinações de sedimentos e íons com intermediários do ciclo de Krebs. Alguns sedimentos testados reagiram com alguns intermediários, mas, em geral, essas reações foram fracas, lentas e não envolviam todos os intermediários. Apesar disso, segundo os autores, mesmo essas reações já eram uma indicação convincente de que ao menos algumas partes do ciclo de Krebs eram viáveis sem a presença de enzimas. Entretanto, um espectro muito maior de reações foi visto em presença de peroxydissulfato. Com a adição desse composto foram detectadas 24 reações com metabólitos do ciclo de Krebs, as reações ficaram consideravelmente mais rápidas e os intermediários foram observados em proporções mínimas após a formação dos metabólitos do ciclo.
     Umas das críticas do Leslie Orgel era o fato de que vários estudos propunham cenários irreais para a explicação dos resultados. Nas suas palavras: “solutions offered by supporters of geneticist or metabolist scenarios that are dependent on “if pigs could fly” are unlikely to help” (soluções oferecidas pelos apoiadores de cenários geneticistas e metabólicos que são dependentes de “se porcos pudessem voar” dificilmente ajudam – tradução livre).


     Ao que parece, Keller e colaboradores se importaram com essa afirmação e, assim, determinaram condições plausíveis para os experimentos. Foram excluídas condições químicas que seriam inviáveis dentro de células, como luz ultravioleta, pressão alta e temperaturas acima de 100ºC. Eles também evitaram condições e metais que não possuem nenhum papel no metabolismo (titânio e borato). Foram utilizadas apenas moléculas baseadas em importantes elementos para o metabolismo e que são componentes frequentes de sedimentos arqueozoicos, pouco oxigênio e temperaturas de até 70ºC.
Segundo os pesquisadores, as reações iguais as do ciclo de Krebs ocorreram com a adição de peroxidissulfato possivelmente dependente da formação de radicais sulfato. As reações não enzimáticas foram muito específicas, sendo superior à glicólise in vitro utilizando enzimas de E.coli purificadas. Uma das explicações dessa especificidade são as propriedades físico-químicas dos radicais sulfato.
     Com todos esses resultado e baseado na simplicidade dessas condições ambientais não é difícil concluir que o ciclo de Krebs pode ter surgido de precursores não enzimáticos que se formam espontaneamente na presença de radicais sulfato. A pergunta agora é: esses precursores estavam na Terra ou vieram de outros lugares?

Bibliografia:
Keller, M. A., Kampjut, D., Harrison, S. A. & Ralser, M. Sulfate radicals enable a non-enzymatic Krebs cycle precursor. Nat. Ecol. Evol. 1, 0083 (2017).

Orgel LE (2008) The implausibility of metabolic cycles on the prebiotic earth. PLoS Biol 6(1): e18. doi:10.1371/journal.pbio.0060018

Cooper G, Reed C, Nguyen D, Carter M, Wang Y. Detection and formation scenario of citric acid, pyruvic acid, and other possible metabolism precursors in carbonaceous meteorites. PNAS, 108 (34) - 14015–14020 (2011).