terça-feira, 19 de setembro de 2017

Seria a deextinção a saída para o problema de conservação de espécies?

Eu escrevo meus textos com base em minha opinião. Então quando eu coloco uma pergunta no título, eu mesma respondo (novamente, com base em minha opinião). Caso você não concorde, sinta-se livre para me questionar, afinal o que seria da ciência se não houvesse questionamentos. Isto posto, a resposta para a pergunta-título do texto dessa semana é NÃO. Agora deixa eu te explicar o que é deextinção. Deextinção é o processo de criação de um organismo já extinto ou um organismo semelhante a um extinto. Em bom português, significa que cientistas estão empenhados em trazer novamente à vida animais que já foram extintos. Mamutes, dodôs, lobos gigantes, mastodontes, castores gigantes, tigre da tasmânia, quiçá até dinossauros. Não, mentira, dinossauros não! Mas todos os outros, sim. Esses animais fazem parte de um grupo que chamamos de megafauna do Pleistoceno.
O Pleistoceno é um período geológico que vai de aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás até 11 mil anos atrás. Nesse período houve uma série de mudanças climáticas e geológicas que moldaram a evolução das espécies que viviam na Terra durante esse tempo. Uma série de animais e plantas surgiram nesse período, assim como outros sucumbiram ao clima e as condições, muitas vezes, não favoráveis. Uma das muitas espécies que começaram a sua jornada no planeta terra nesse meio tempo foi o ser humano. Todos os gêneros de hominídeos marcaram presença no Pleistoceno. Foi uma época em que a evolução humana estava a pleno vapor. Nós crescíamos, multiplicávamos, viajávamos, explorávamos diversos ambientes e, por conta de toda essa atividade, precisávamos de muitos recursos e precisávamos nos proteger. Então, imagine você, no Pleistoceno, diante de uma verdadeira besta animal, gigante e feroz como um tigre dente de sabre! O que você faz? Mata. Você pode até não gostar, pode ser ativista da causa animal, pode não ter estômago pra isso, mas, naquela época, era matar ou morrer. Então você matava. O que aconteceu é que a gente, ou no caso, nossos ancestrais desalmados, matavam pra caramba. O resultado dessa matança foi que boa parte dessa megafauna foi extinta após a chegada dos seres humanos nesse planeta. Talvez, por conta dessa relação causa-efeito (surgimento do ser humano – extinção de várias espécies) você possa estar se sentindo meio culpado. E, talvez, alguns cientistas se sintam culpados. Para aliviar a culpa, eles estão bolando estratégias para trazer novamente espécies que já foram extintas. O modo de trazer essas espécies de novo é apelando para a genética. Então, basicamente, os cientistas sequenciariam o genoma de algumas dessas espécies (genoma esse conservado em fósseis) e com ajuda de métodos de edição e síntese de DNA poderiam recriar o genoma original, provavelmente, com a edição de um genoma atual de uma espécie semelhante. Por exemplo, você pode editar o genoma de um elefante até ele virar um mamute. Obviamente não é simples assim, mas pode acontecer. Outro método seria a clonagem utilizando uma célula do fóssil. Outra vez, seria preciso utilizar uma espécie semelhante para gerar o indivíduo.

Por conta dessa possibilidade de trazer um animal que viveu há milhares de anos de volta à vida, cientistas pensaram: “Se eu posso trazer um mamute que não existe mais há muito, muito tempo, porque eu não posso usar essa tecnologia para trazer um animal que acabou de ser extinto? Ou aumentar a população de animais que estão muito próximos da extinção?” Bom, poder, ele pode, mas, e agora começa a nossa discussão, isso resolveria o atual problema de conservação de espécies?

Antes de mais nada, é importante dizer que já estão sendo feitos esforços para trazer de volta à terra animais extintos há pouco tempo. É o caso dos auroques, uma espécie de boi selvagem, maior e mais indócil que os bois atuais. O último indivíduo que se teve notícia morreu em 1627. No caso dos auroques não há uso de ferramentas genéticas modernas. O que cientistas estão fazendo é cruzando indivíduos de bois atuais que tenham características de auroque como longas patas, maiores, mais atléticos, etc. O projeto TaurOs está em andamento e é uma parceria entre empresas privadas e universidades.
Raças de bois utilizadas para a criação de auroque. Fonte: DFoidl.
Outro projeto em andamento é o que pretende deextinguir o bucardo espanhol (uma espécie de cabra selvagem). Cientistas estão tentando clonar o animal, que foi extinto no ano 2000. De fato, em 2003, um indivíduo clonado nasceu, mas morreu momentos depois com problemas respiratórios. Um projeto mais ambicioso que envolve manipulações genéticas e intervenções reprodutivas é o que está tentando trazer à vida novamente o pombo-passageiro. Esse animal foi extinto por volta de 1900 e foi um caso marcante, pois a população estimada para a espécie era de 3 bilhões de indivíduos vivendo na América do Norte. Diversos relatos escritos falam sobre as épocas de migração desse pássaro, na qual o número de indivíduos sobrevoando uma área de uma só vez era tão grande que o céu escurecia. Apesar dos esforços, nenhuma pomba passageira foi gerada até agora.

A primeira pergunta que eu faço é: supondo que se tenha sucesso na empreitada de deextinguir uma espécie, o que se faz com ela? Segundo Crooks e colaboradores (2017), a extinção de habitats é a maior causa do declínio de mamíferos atualmente. Não é preciso ir muito longe para presenciar a extinção de habitats. É só lembrar da Mata Atlântica que, desde 1500, perdeu mais de 90% do território com o desmatamento e urbanização. Consequência dessa perda de habitat é a diminuição de populações de onças, macacos, jaguatiricas, tatus, tamanduás, etc. Então, se hoje, as espécies que ainda conseguem sobreviver tem de lutar pelo seu habitat natural, o que aconteceria se jogássemos uma população de mastodontes nessa equação, por exemplo? Além disso, recursos que, antes, podiam ser alocados em conservação de espécies que ainda não foram extintas provavelmente seriam deslocados para “novas-velhas” espécies. Afinal de contas, o esforço para trazê-las de volta foi tanto que não podemos deixar elas se extinguirem novamente. A extinção de novo é um ponto no qual Beth Shapiro, cientista envolvida com o sequenciamento do genoma do mamute, ressalta em seu livro “How to clone a Mammoth” (Como clonar um mamute) dizendo que, mesmo que a clonagem e a deextinção do mamute acontecesse, será que seria possível “fabricar” uma população que tivesse diversidade genética suficiente para sobreviver e evoluir? Na opinião dela, não. Lembre sempre que os animais extintos para os quais estão sendo feitos esforços de deextinção ou são enormes ou possuíam uma população enorme. Então, a alocação dessas espécies é uma questão complexa. Mas ai você pode dizer: “podemos deixar essas espécies em zoológicos!”. Nesse momento, eu respiro profundamente em busca de paciência e te pergunto: “será que somos tão, mas tão egoístas e malévolos ao ponto de dar vida a um animal única e exclusivamente para vê-lo atrás das grades servindo de entretenimento?” O pior é que eu acho que somos e isso me deixa triste.

O próximo ponto para reflexão é: sabemos que muitos desses animais foram extintos pela ação direta do homem. Com isso em mente, e supondo que consigamos “fabricar” uma população viável de algum dos animais da lista para deextinção, teríamos condições de não repetir as mesmas ações que levaram à primeira extinção? Antes de responder pense nos esforços que ainda precisam ser feitos para evitar a caça de animais ainda não extintos, mas ameaçados. Pense no comércio ilegal de algumas espécies que ameaçam dizimar populações. Agora responda, temos condições de evitar a extinção de novo? Se você respondeu sim, por favor, deixe seu argumento nos comentários, porque eu não creio que temos condições. Eu entendo que não somos mais a mesma sociedade que dizimou, com requintes de crueldade, populações inteiras de pombos passageiros por esporte. Nem somos os mesmos colonizadores que traziam milhares de soldados famintos para alimentar numa terra estrangeira onde uma ave grande, gorda e dócil chamada dodô vagava livremente praticamente pedindo para ser devorada. Não, hoje nós produzimos, plantamos, criamos e comercializamos nosso alimento. Somos uma sociedade com consciência ambiental.





Somos?





Como ficaria a nossa relação e preocupação com a conservação de uma espécie se fosse possível, com algum trabalho, trazê-la de volta da extinção? É mais fácil (e mais barato) conservar uma espécie e seu habitat ou utilizar técnicas de deextinção e guardar os espécimes no zoológico? E se, com a utilização de biotecnologia, pudéssemos criar populações modificadas a tal ponto que elas seriam inextinguíveis? O rinoceronte branco podia viver pra sempre no planeta e não teríamos mais o peso na consciência de ter acabado com mais uma espécie, mas ele viveria pra sempre sem a intervenção humana?

Bom, o fato é que, concordando ou não com a deextinção, projetos já estão em andamento e a própria IUCN (Union for Conservation of Nature) lançou um guia com uma série de regras para deextinção. O propósito do documento não é argumentar contra ou a favor do movimento de deextinção, mas somente ser um “guia de princípios” para ajudar a decidir quando e como a deextinção pode ser considerada com relação a conservação. Junto a isso, diversos ambientalistas estão começando a utilizar recursos de biotecnologia para ajudar no trabalho de conservação. Por exemplo, o grupo Island Conservation está utilizando técnicas genéticas com o intuito de erradicar populações de roedores introduzidos pela ação humana que ameaçam pássaros selvagens em ilhas. No Havai, pesquisadores estão avaliando se uma intervenção semelhante seria possível para conter um mosquito não nativo que transmite malária aos pássaros da região. E esses são só dois exemplos, ou seja, a deextinção é apenas uma das muitas possibilidades quando juntamos biotecnologia e conservação. A meu ver é uma péssima possibilidade. Enquanto não soubermos conviver com as espécies que estão aqui, agora, não temos condições de pensar em trazer de volta espécies que viveram há muitos anos atrás. Estamos enfrentando a sexta extinção em massa (Ceballos et al., 2017) e tudo leva a crer que ela está acontecendo pela modificação dos ambientes e do clima causados pelo nosso estilo de vida. Temos espécies que nem conhecemos se extinguindo nesse momento, enquanto você lê esse texto. Temos muito trabalho pela frente para tentar salvar a nossa própria espécie num mundo que nega o aquecimento global. Eu só não consigo enxergar um cenário em que trazer um mamute pra viver nesse mundo doido possa ser uma boa ideia. Se você consegue, me ajude.

Referências:

The Hastings Center. "Recreating the wild: De-extinction, technology, and the ethics of conservation." ScienceDaily.

Gregory E. Kaebnick, Bruce Jennings. De-extinction and Conservation. Hastings Center Report, 2017; 47: S2 DOI: 10.1002/hast.744.

Resurrecting the auroch: Scientists are breeding cattle that resemble the extinct beasts seen in ancient cave paintings. DailyMail.

TaurOs Programme.

Why the Passenger Pigeon Went Extinct

IUCN SSC Guiding Principles on Creating Proxies of Extinct Species for Conservation Benefit.

Gerardo Ceballosa, Paul R. Ehrlichb, and Rodolfo Dirzob. Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines (2017). PNAS; 114 (30): E6089 – E6096.

Kevin R. Crooks, Christopher L. Burdett, David M. Theobald, Sarah R. B. King, Moreno Di Marco, Carlo Rondinini, and Luigi Boitani. Quantification of habitat fragmentation reveals extinction risk in terrestrial mammals (2017). PNAS; 114 (29): 7635 – 7640.

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