Cientistas do mundo todo estão muito preocupados com
o descaso dado a diversas doenças importantes. Na última edição da revista
Nature Ecology and Evolution cientistas da Holanda, Reino Unido e Estados Unidos
chamam atenção para a falta de conhecimento que temos em relação a alguns patógenos
que juntos causam aproximadamente 10 milhões de mortes por ano. Segundo a autora da correspondência, Anna-Sofie
Stensgaard, professora assistente da Universidade de Copenhagen, existe um viés
de atenção dado a patógenos novos (como vírus da Zika) ao passo que “velhos”
patógenos permanecem praticamente desconhecidos e causando muitos danos (por
exemplo, o vírus da dengue).
Quem acaba sofrendo mais com esses danos são os
trópicos. Pelo seu clima quente e úmido, a proliferação de insetos é facilitada
nessas regiões e, com ela, a proliferação das doenças incubadas por esses
insetos. Além disso, são nessas regiões tropicais (entre as latitudes 35ºN e
35ºS) que estão concentradas as regiões mais pobres do planeta – África Subsaariana,
Ásia e América Latina. O Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde, possui
nove das dez doenças tropicais mais negligenciadas. Um artigo de revisão de
2013 feito por um grupo de profissionais de hospitais e universidades dos
Estados Unidos e Japão mapeou mundialmente doenças infecciosas e chegou à
conclusão que, das 355 doenças infecciosas identificadas, possuímos informações
suficientes a respeito de somente 4% delas. Sem dados de história natural dos
patógenos e das doenças, dinâmica de transmissão e ocorrência é muito difícil
tomar decisões a respeito da prevenção e tratamento dessas doenças. Por
exemplo, como saber aonde alocar mais recursos sem saber qual a área afetada
pela doença e quais pessoas tem mais risco de serem contaminadas? Além da falta
de dados, os autores dessa revisão também chamam a atenção a respeito dos dados
que já existem. Alguns não foram criados com o propósito de mapear doenças e,
com isso, acabam sendo de pouca utilidade para tal. No mesmo ano, um dos
autores dessa revisão, Simon Hay, professor da Universidade de Oxford (UK), e
colaboradores fizeram um trabalho com informações a respeito da dengue. Eles
conseguiram mapear ocorrência, evidências e número de infecções a nível global,
mostrando que é possível construir uma plataforma com informações sobre doenças
infecciosas.
Mapa informativo com dados de evidência, ocorrência e número de infecções por região.
Portanto, a ideia de Anna-Sofie não é nova e, melhor
ainda, é viável. Para provar que é possível, ela dá o exemplo de uma plataforma
de sucesso de dados de biodiversidade: A Global Biodiversity InformationFacility (GBIF). A GBIF é uma plataforma que permite que qualquer pessoa, em
qualquer lugar, acesse dados sobre biodiversidade. O Brasil ainda não faz parte
dessa plataforma, mas mesmo assim é possível acessar informações sobre as mais
de 1.6 milhões de espécies contidas nessa base de dados. Segundo Professor
Carsten Rahbek, autor sênior da correspondência, após pesquisadores e governos
entenderem a importância dessa base de dados para doenças infecciosas, os
fundos e a colaboração de especialistas não serão difíceis de conseguir (eu
achei ele bem otimista!). Ele ainda ressalta a importância desses dados no
atual momento em que enfrentamos mudanças climáticas, urbanização descontrolada
e agricultura intensiva. Sem esses dados, será impossível prever como esses
organismos de interesse médico irão se comportar o que pode gerar uma
catástrofe.
Referências:
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