segunda-feira, 23 de abril de 2018

Volvo Ocean Race e o lixo nos oceanos.


A Volvo Ocean Race é a mais antiga competição de regatas que da a volta ao mundo. Ela foi criada em 1973, quando se chamava Whitbread Round the World Race. A partir de 2001 a competição foi rebatizada, graças ao patrocínio da fabricante de veículos e motores sueca, Volvo. Essa competição acontece de três em três anos e, geralmente, passa por nove ou dez etapas. Uma dessas etapas acontece aqui no Brasil, na cidade onde eu moro, chamada Itajaí. É a única parada no Brasil e na América Latina. Esse ano as regatas largaram da Espanha, passaram por Portugal, África do Sul, China, Nova Zelândia e Brasil. Ontem, dia 22 de abril, as regatas partiram novamente de Itajaí em direção a Newport (EUA), depois Reino Unido, Suécia e finalmente Países Baixos, onde será a chegada. São sete regatas participantes e esse ano uma das regatas é chamada Turn the Tide on Plastic da campanha Clean Seas das Nações Unidas. Essa regata tem objetivos específicos que envolvem divulgar e conscientizar para o problema dos lixos nos oceanos e fazer campanhas que visam a diminuição do descarte de lixo nos oceanos. Como essa competição de regatas que passa por seis continentes e dura meses, os velejadores tem uma dimensão única dos problemas causados pelos plásticos nos oceanos. Um dos objetivos, então, da regata Turn the Tide on Plastic é mostrar o que está acontecendo e desenvolver iniciativas com as cidades sede das etapas da competição. Mais um parênteses em relação à regata Turn the Tide on Plastic, ela é a única regata na qual o time é composto 50% por homens e 50% por mulheres!

Regata Turn the Tide on Plastic.

Uma das iniciativas desse ano, aqui em Itajaí, foi a assinatura de um compromisso da cidade em relação à limpeza dos mares. Itajaí foi a primeira cidade da América Latina a assinar esse acordo com a ONU Meio Ambiente que envolve políticas para a redução de plásticos nos oceanos. Para começar essa redução, a etapa de Itajaí aboliu a utilização de copos e canudos plásticos descartáveis durante o evento. Durante 17 dias de evento, copos reutilizáveis (e bonitos, por sinal) foram vendidos. Depois do uso do copo, a pessoa tinha a opção de levar para casa ou devolver e retirar o valor que pagou. Com essa iniciativa, o evento de regatas aqui em Itajaí deixou de utilizar mais de 500 mil copos descartáveis. A assinatura do compromisso entre Itajaí e ONU Meio Ambiente aconteceu durante um ciclo de palestras com o tema “O Futuro dos Oceanos”. As palestras foram ministradas por profissionais de diversas áreas (políticos, professores, presidentes de associações envolvidas com questões ambientais, etc.) e foram discutidos problemas causados pelos plásticos nos oceanos, políticas públicas que visam redução do uso dos plásticos, contribuição individual para redução, reciclagem, entre outros assuntos.
Assinatura do compromisso Clean Ocean entre a cidade de Itajaí e a ONU Meio Ambiente.

Diversos pontos importantes foram ressaltados nessas palestras, teve vídeos mostrando a situação calamitosa de algumas partes dos oceanos, depoimento da velejadora brasileira (que está participando da competição) Martina Grael, mas o que mais me tocou foram os pontos que mostravam o que eu e você, como indivíduos, podemos fazer. Diversas vezes nós pensamos que uma pessoa não faz diferença, um copo a mais ou a menos que usamos não vai resolver o problema do lixo nos oceanos, mas na verdade não é bem assim. Um copo conta, um canudo conta, um saquinho conta. Cada um de nós exerce um impacto enorme no meio ambiente e cada um de nós tem a escolha de exercer menos impacto. O nosso esforço é importante. Reciclar é importante, mas a palavra da vez agora é REDUZIR. Reduzir o consumo e procurar alternativas mais sustentáveis que fortaleçam a economia local são dois pontos chave para que nosso impacto seja reduzido. Em uma das palestras, da Youtuber e criadora do projeto "Menos 1 lixo", ela deu nome a esse poder que nós, como consumidores, podemos exercer ao procurar alternativas mais sustentáveis: ela chamou de "o poder da carteira". Isso me chamou muita atenção, pois é uma coisa que eu pratico, na medida do possível, na minha vida como consumidora. Pra mim, era uma coisa intuitiva do tipo "se uma marca não me oferece oportunidades de produtos mais sustentáveis, eu não compro essa marca". Isso funciona não só para cobrar responsabilidade ambiental da marca, mas também para diversas outras coisas, como respeito ao consumidor, respeito aos funcionários e às leis, etc.












Então a mensagem que eu queria deixar e a mensagem que a etapa da Volvo Ocean Race deixou aqui na cidade é: você tem uma grande responsabilidade sobre o que está acontecendo e você pode mudar o futuro. Reveja suas opções, seu consumo, suas necessidades e parta para a ação!


Referências:

Vídeos:








Documentários: 
Trashed: https://vimeo.com/140888282

Uma Gota:https://umagota.com.br/

Notícias:
https://www.itajai.sc.gov.br/noticia/20151/itajai-stopover-reduz-prejuizo-ao-meio-ambiente-ao-abolir-uso-de-copos-descartaveis#.Wt3lpMgvzIU

http://vivaitajai.com.br/blog/2018/04/16/ciclo-de-palestras-o-futuro-dos-oceanos-18-04-1230-1900h/

https://almanautica.com.br/2018/04/19/itajai-assina-acordo-ambiental/

https://www.volvooceanrace.com/en/sustainability/36_Turn-the-tide.html



sexta-feira, 23 de março de 2018

Produzindo cervejas mais sustentáveis


Tudo começou com um cara, Charles Denby, que gostava de cerveja e sustentabilidade. Ele foi trabalhar num dos maiores laboratórios de pesquisa de combustíveis para transporte sustentável na Universidade Berkeley na Califórnia, o Keasling Lab. O foco do laboratório é manipular micro organismos os fazendo produzir alguns metabólitos, principalmente terpenos, que podem ser usados na indústria farmacêutica, cosmética e, claro, combustíveis. Entre produção de cerveja caseira e o trabalho do laboratório, Denby percebeu que as moléculas que davam à cerveja o sabor lupulado eram terpenos e pensou que não seria tão difícil fazer leveduras produzirem terpenos com sabor de lúpulo em concentrações iguais as usadas na cerveja.

Figura 1: Florescência do lúpulo.
Mas você talvez esteja se perguntando: o que isso tem a ver com sustentabilidade? Bom, o lúpulo usado na cerveja é uma cultura que usa muita água e muita energia, além dos custos ambientais de transporte. Atualmente os maiores produtores de lúpulo são a Alemanha e os Estados Unidos. O clima e condições do solo fazem com que produzir lúpulo em outros lugares seja caro e desafiador. O solo no qual o lúpulo é plantado necessita de bastante trabalho para evitar a compactação, pois a cultura é parcialmente inundada. Cada hectare de produção de lúpulo utiliza, em média, 5000 m3 de água (5.000.000 litros). Estima-se que anualmente se use 100 bilhões de litros de água para irrigar culturas de lúpulo. Outro problema é que, assim como qualquer cultura, o lúpulo varia muito em quantidade e qualidade de óleo essencial de um ano para outro, fazendo com que produzir uma cerveja com as mesmas características entre um lote e outro seja um desafio para os cervejeiros.

Com isso em mente, Denby, autor principal do artigo, começou a estudar as possibilidades de produzir uma levedura geneticamente modificada que fosse capaz de sintetizar metabólitos que imitariam o sabor do lúpulo na cerveja. Para saber quais metabólitos a levedura deveria produzir, primeiro foi necessário descobrir quais terpenos do lúpulo são identificados pelo paladar humano na cerveja. Foram identificados dois monoterpenos, o linalol e o geraniol. Após isso, eles tiveram que inserir alguns genes nas leveduras para que elas fossem capazes de produzir todas as proteínas e enzimas necessárias para a produção de linalol e geraniol. Por causa de uma peculiaridade das leveduras utilizadas na produção de cerveja, esse processo foi bem desafiador. Ao invés de um set de cromossomos, elas possuem quatro, portanto é necessário garantir que todos os genes necessários para a produção dos monoterpenos estivessem inseridos nos quatro sets de cromossomos, caso contrário, futuras gerações de leveduras poderiam não apresentar os genes de interesse. Outro ponto interessante é que não se conhece bem a rota bioquímica que leva a produção de linalol e geraniol no lúpulo. Por causa disso, os pesquisadores utilizaram genes para a produção desses metabólitos retirados da menta e do manjericão.
Figura 2: Durante o processo de fabricação de cerveja, a levedura converte o mosto (um extrato de cevada rico em açúcares para fermentação) em etanol e outros produtos. Lúpulo é adicionado imediatamente depois, durante ou após a fermentação para dar sabor lupulado. Cepas de levedura que produzem linalol e geraniol, componentes primários do sabor do lúpulo, substituiriam a adição de lúpulo. Adaptado de Denley et al.
Após a inserção dos genes para a produção de monoterpenos, a escolha das cepas de leveduras utilizadas para a fabricação de cerveja foi baseada na capacidade de fermentação destas. Uma vez escolhidas, passou-se para a fase de testes de consistência, ou seja, os pesquisadores queriam saber se diferentes lotes de cerveja fabricados com as leveduras teriam as mesmas características quanto ao sabor do lúpulo. Eles pediram, então, para um conceituado produtor de cerveja da região produzir lotes com as cepas de leveduras mais promissoras. Foi constatado que os níveis de monoterpeno se mantinham estáveis quando as leveduras modificadas geneticamente eram utilizadas. Já quando eles fizeram esse mesmo teste utilizando lúpulo, os níveis de ambos monoterpenos, linalol e geraniol, variaram significativamente. Foram feitos também testes cegos com degustadores para comparar a percepção de sabor e aroma das cervejas produzidas com leveduras modificadas e das cervejas produzidas com lúpulo. O resultado foi que as cervejas produzidas com leveduras modificadas foram consideradas mais lupuladas e melhores que as cervejas produzidas de maneira tradicional.

O resultado desse projeto foi a criação de uma start up chamada Berkeley Brewing Science, por Denley e Rachel Li (segunda autora do artigo e estudante de doutorado). Eles esperam produzir e distribuir, em escala industrial, leveduras capazes de biosintetizar diversos aromas e sabores utilizados na produção cervejeira.



Referências:
-Charles M. Denby, Rachel A. Li, Van T. Vu, Zak Costello, Weiyin Lin, Leanne Jade G. Chan, Joseph Williams, Bryan Donaldson, Charles W. Bamforth, Christopher J. Petzold, Henrik V. Scheller, Hector Garcia Martin, Jay D. Keasling. Industrial brewing yeast engineered for the production of primary flavor determinants in hopped beer. Nature Communications, 2018; 9 (1).

-Brewing hoppy beer without the hops: Using CRISPR-Cas9, scientists imbue yeast with ability to make flavor components of hops. ScienceDaily. ScienceDaily, 21 March 2018.