sexta-feira, 23 de março de 2018

Produzindo cervejas mais sustentáveis


Tudo começou com um cara, Charles Denby, que gostava de cerveja e sustentabilidade. Ele foi trabalhar num dos maiores laboratórios de pesquisa de combustíveis para transporte sustentável na Universidade Berkeley na Califórnia, o Keasling Lab. O foco do laboratório é manipular micro organismos os fazendo produzir alguns metabólitos, principalmente terpenos, que podem ser usados na indústria farmacêutica, cosmética e, claro, combustíveis. Entre produção de cerveja caseira e o trabalho do laboratório, Denby percebeu que as moléculas que davam à cerveja o sabor lupulado eram terpenos e pensou que não seria tão difícil fazer leveduras produzirem terpenos com sabor de lúpulo em concentrações iguais as usadas na cerveja.

Figura 1: Florescência do lúpulo.
Mas você talvez esteja se perguntando: o que isso tem a ver com sustentabilidade? Bom, o lúpulo usado na cerveja é uma cultura que usa muita água e muita energia, além dos custos ambientais de transporte. Atualmente os maiores produtores de lúpulo são a Alemanha e os Estados Unidos. O clima e condições do solo fazem com que produzir lúpulo em outros lugares seja caro e desafiador. O solo no qual o lúpulo é plantado necessita de bastante trabalho para evitar a compactação, pois a cultura é parcialmente inundada. Cada hectare de produção de lúpulo utiliza, em média, 5000 m3 de água (5.000.000 litros). Estima-se que anualmente se use 100 bilhões de litros de água para irrigar culturas de lúpulo. Outro problema é que, assim como qualquer cultura, o lúpulo varia muito em quantidade e qualidade de óleo essencial de um ano para outro, fazendo com que produzir uma cerveja com as mesmas características entre um lote e outro seja um desafio para os cervejeiros.

Com isso em mente, Denby, autor principal do artigo, começou a estudar as possibilidades de produzir uma levedura geneticamente modificada que fosse capaz de sintetizar metabólitos que imitariam o sabor do lúpulo na cerveja. Para saber quais metabólitos a levedura deveria produzir, primeiro foi necessário descobrir quais terpenos do lúpulo são identificados pelo paladar humano na cerveja. Foram identificados dois monoterpenos, o linalol e o geraniol. Após isso, eles tiveram que inserir alguns genes nas leveduras para que elas fossem capazes de produzir todas as proteínas e enzimas necessárias para a produção de linalol e geraniol. Por causa de uma peculiaridade das leveduras utilizadas na produção de cerveja, esse processo foi bem desafiador. Ao invés de um set de cromossomos, elas possuem quatro, portanto é necessário garantir que todos os genes necessários para a produção dos monoterpenos estivessem inseridos nos quatro sets de cromossomos, caso contrário, futuras gerações de leveduras poderiam não apresentar os genes de interesse. Outro ponto interessante é que não se conhece bem a rota bioquímica que leva a produção de linalol e geraniol no lúpulo. Por causa disso, os pesquisadores utilizaram genes para a produção desses metabólitos retirados da menta e do manjericão.
Figura 2: Durante o processo de fabricação de cerveja, a levedura converte o mosto (um extrato de cevada rico em açúcares para fermentação) em etanol e outros produtos. Lúpulo é adicionado imediatamente depois, durante ou após a fermentação para dar sabor lupulado. Cepas de levedura que produzem linalol e geraniol, componentes primários do sabor do lúpulo, substituiriam a adição de lúpulo. Adaptado de Denley et al.
Após a inserção dos genes para a produção de monoterpenos, a escolha das cepas de leveduras utilizadas para a fabricação de cerveja foi baseada na capacidade de fermentação destas. Uma vez escolhidas, passou-se para a fase de testes de consistência, ou seja, os pesquisadores queriam saber se diferentes lotes de cerveja fabricados com as leveduras teriam as mesmas características quanto ao sabor do lúpulo. Eles pediram, então, para um conceituado produtor de cerveja da região produzir lotes com as cepas de leveduras mais promissoras. Foi constatado que os níveis de monoterpeno se mantinham estáveis quando as leveduras modificadas geneticamente eram utilizadas. Já quando eles fizeram esse mesmo teste utilizando lúpulo, os níveis de ambos monoterpenos, linalol e geraniol, variaram significativamente. Foram feitos também testes cegos com degustadores para comparar a percepção de sabor e aroma das cervejas produzidas com leveduras modificadas e das cervejas produzidas com lúpulo. O resultado foi que as cervejas produzidas com leveduras modificadas foram consideradas mais lupuladas e melhores que as cervejas produzidas de maneira tradicional.

O resultado desse projeto foi a criação de uma start up chamada Berkeley Brewing Science, por Denley e Rachel Li (segunda autora do artigo e estudante de doutorado). Eles esperam produzir e distribuir, em escala industrial, leveduras capazes de biosintetizar diversos aromas e sabores utilizados na produção cervejeira.



Referências:
-Charles M. Denby, Rachel A. Li, Van T. Vu, Zak Costello, Weiyin Lin, Leanne Jade G. Chan, Joseph Williams, Bryan Donaldson, Charles W. Bamforth, Christopher J. Petzold, Henrik V. Scheller, Hector Garcia Martin, Jay D. Keasling. Industrial brewing yeast engineered for the production of primary flavor determinants in hopped beer. Nature Communications, 2018; 9 (1).

-Brewing hoppy beer without the hops: Using CRISPR-Cas9, scientists imbue yeast with ability to make flavor components of hops. ScienceDaily. ScienceDaily, 21 March 2018.

Nenhum comentário:

Postar um comentário