Tudo começou com um cara, Charles Denby, que gostava de cerveja e
sustentabilidade. Ele foi trabalhar num dos maiores laboratórios de pesquisa de
combustíveis para transporte sustentável na Universidade Berkeley na
Califórnia, o Keasling Lab. O foco do laboratório é manipular micro organismos os fazendo
produzir alguns metabólitos, principalmente terpenos, que podem ser usados
na indústria farmacêutica, cosmética e, claro, combustíveis. Entre produção de
cerveja caseira e o trabalho do laboratório, Denby percebeu que as moléculas que davam à cerveja o sabor lupulado eram terpenos e pensou que não seria tão difícil
fazer leveduras produzirem terpenos com sabor de lúpulo em concentrações iguais
as usadas na cerveja.
Figura 1: Florescência do lúpulo. |
Mas você talvez esteja se perguntando: o que isso tem a ver
com sustentabilidade? Bom, o lúpulo usado na cerveja é uma cultura que usa
muita água e muita energia, além dos custos ambientais de transporte. Atualmente
os maiores produtores de lúpulo são a Alemanha e os Estados Unidos. O clima e
condições do solo fazem com que produzir lúpulo em outros lugares seja caro e
desafiador. O solo no qual o lúpulo é plantado necessita de bastante trabalho
para evitar a compactação, pois a cultura é parcialmente inundada. Cada hectare
de produção de lúpulo utiliza, em média, 5000 m3 de água (5.000.000
litros). Estima-se que anualmente se use 100 bilhões de litros de água para
irrigar culturas de lúpulo. Outro problema é que, assim como qualquer cultura,
o lúpulo varia muito em quantidade e qualidade de óleo essencial de um ano para
outro, fazendo com que produzir uma cerveja com as mesmas características entre
um lote e outro seja um desafio para os cervejeiros.
Com isso em mente, Denby, autor principal do artigo,
começou a estudar as possibilidades de produzir uma levedura geneticamente
modificada que fosse capaz de sintetizar metabólitos que imitariam o sabor do lúpulo na
cerveja. Para saber quais metabólitos a levedura deveria produzir, primeiro foi
necessário descobrir quais terpenos do lúpulo são identificados pelo paladar
humano na cerveja. Foram identificados dois monoterpenos, o linalol e o geraniol. Após
isso, eles tiveram que inserir alguns genes nas leveduras para que elas fossem
capazes de produzir todas as proteínas e enzimas necessárias para a produção de
linalol e geraniol. Por causa de uma peculiaridade das leveduras utilizadas na
produção de cerveja, esse processo foi bem desafiador. Ao invés de um set de
cromossomos, elas possuem quatro, portanto é necessário garantir que todos os
genes necessários para a produção dos monoterpenos estivessem inseridos nos
quatro sets de cromossomos, caso contrário, futuras gerações de leveduras
poderiam não apresentar os genes de interesse. Outro ponto interessante é que
não se conhece bem a rota bioquímica que leva a produção de linalol e geraniol no lúpulo.
Por causa disso, os pesquisadores utilizaram genes para a produção desses
metabólitos retirados da menta e do manjericão.
Após a inserção dos genes para a produção de monoterpenos, a
escolha das cepas de leveduras utilizadas para a fabricação de cerveja foi
baseada na capacidade de fermentação destas. Uma vez escolhidas, passou-se para
a fase de testes de consistência, ou seja, os pesquisadores queriam saber se
diferentes lotes de cerveja fabricados com as leveduras teriam as mesmas
características quanto ao sabor do lúpulo. Eles pediram, então, para um
conceituado produtor de cerveja da região produzir lotes com as cepas de
leveduras mais promissoras. Foi constatado que os níveis de monoterpeno se mantinham
estáveis quando as leveduras modificadas geneticamente eram utilizadas. Já
quando eles fizeram esse mesmo teste utilizando lúpulo, os níveis de ambos
monoterpenos, linalol e geraniol, variaram significativamente. Foram feitos
também testes cegos com degustadores para comparar a percepção de sabor e aroma
das cervejas produzidas com leveduras modificadas e das cervejas produzidas com
lúpulo. O resultado foi que as cervejas produzidas com leveduras modificadas
foram consideradas mais lupuladas e melhores que as cervejas produzidas de
maneira tradicional.
O resultado desse projeto foi a criação de uma start up
chamada Berkeley Brewing Science, por Denley e Rachel Li (segunda autora do
artigo e estudante de doutorado). Eles esperam produzir e distribuir, em escala
industrial, leveduras capazes de biosintetizar diversos aromas e sabores utilizados
na produção cervejeira.
Referências:
-Charles M. Denby, Rachel A. Li, Van T. Vu, Zak Costello, Weiyin Lin, Leanne Jade G. Chan, Joseph Williams, Bryan Donaldson, Charles W. Bamforth, Christopher J. Petzold, Henrik V. Scheller, Hector Garcia Martin, Jay D. Keasling. Industrial brewing yeast engineered for the production of primary flavor determinants in hopped beer. Nature Communications, 2018; 9 (1).
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