As duas maiores epidemias do Brasil atualmente
–Dengue e Zika – são objeto de grande preocupação para quem trabalha com saúde
pública. O vírus da dengue (que em 2016 afetou mais de 1,5 milhões de pessoas)
e o vírus da zika (que teve mais de 200 mil casos registrados em 2016) são
transmitidos pelo mesmo vetor: o mosquito Aedes
aegypti. Atualmente nenhuma das duas doenças possui vacina e a única forma
de prevenção é não ser picado por mosquitos contaminados. As vacinas para ambas
as doenças estão sendo testadas, mas ainda estamos longe de podermos contar com
elas. Com isso, para tentar aplacar os números monstruosos de doentes, só resta
aos promotores de saúde pública criar políticas para diminuir o número de
mosquitos (a população é responsável por fazer a sua parte também, óbvio).
Figura 1: Mosquito Aedes aegypti por Raul Santana / Multimagens / Fiocruz
O pequeno organismo denominado Aedes aegypti é originário do Egito, na África. Ele foi descrito em
1762, mas somente passou a ter o nome atual em 1818. Essa espécie é
extremamente adaptável, podendo colonizar diversos ambientes e assim vem
fazendo desde o século XVI, sendo carregado principalmente por navios que
traficavam escravos. De carona com o mosquito, vieram também os vírus que ele
pode incubar (pesquisadores estimam que ele possa ser vetor de até 17 vírus*). Os
primeiros casos de dengue foram registrados no Brasil no século XIX, em
Curitiba. Apesar disso, a grande preocupação da época era outro vírus que este
mosquito transmitia: o vírus da febre amarela. Por conta da epidemia de febre
amarela (não só no Brasil, mas em todo continente americano), diversos
programas de erradicação foram desenvolvidos. No Brasil, o primeiro programa de
controle do mosquito começou em 1920 com Oswaldo Cruz, mas o programa
responsável pela erradicação desse organismo, em 1955, foi o programa
coordenado pela Organização Pan-Americana de Saúde e pela Organização Mundial
de Saúde.
Apesar de ter sido erradicado do Brasil, não é
novidade pra ninguém que o A. aegypti
está de volta e mais forte que nunca. Portanto, campanhas de controle e
erradicação continuam sendo criadas e ainda mantemos a esperança que o que
aconteceu em 1955, aconteça novamente. Pensando nisso, pesquisadores da
Fundação Oswaldo Cruz estão testando o impacto de A. aegypti contaminados por uma bactéria que diminuiria a
fertilidade nesses organismos e atuaria no controle da infecção dos vírus por eles
disseminados. A bactéria utilizada é do gênero Wolbachia. Esse gênero de
bactérias atua como endosimbionte em artrópodes e alguns nematódeos.
A ideia de infectar mosquitos com Wolbachia para
controle de população não é tão nova. Há alguns anos já se sabe que essa
bactéria tem influência na fertilidade dos mosquitos. Ela induz uma
anormalidade reprodutiva conhecida como
incompatibilidade endoplasmática, que resulta na morte
precoce do embrião quando machos infectados com Wolbachia cruzam com fêmeas não
infectadas (ou que estão infectadas com outra cepa de Wolbachia). Além disso,
quando um macho infectado cruza com uma fêmea infectada pela mesma cepa, o
embrião consegue se desenvolver normalmente e toda a prole estará infectada com
Wolbachia. Essa estratégia garante que mosquitos infectados tenham mais sucesso
reprodutivo que mosquitos não infectados. Mas porque queremos mosquitos
infectados por Wolbachia? Porque foi demonstrado que algumas cepas dessa
bactéria diminuiriam a replicação viral, disseminação e transmissão do vírus da
dengue por esses mosquitos. Dependendo da cepa, ela age de maneira diferente
para controlar o vírus. Uma delas, chamada porcorn, induz a morte precoce do
mosquito após a infecção deste pelo vírus da dengue. Já outras cepas aumentam a
imunidade dos mosquitos, impedindo a infecção pelo vírus da dengue.
Falamos bastante da relação entre dengue e Wolbachia
e é importante salientar que essa bactéria impede a proliferação do vírus da
Zika da mesma maneira. Já existem diversos trabalhos mostrando isso, e muitos
deles são produzidos aqui no Brasil. Só esse ano, a ONU liberou verbas para 17 centros
de pesquisas envolvendo Zika vírus e sete desses centros estão no Brasil. Não é
só a área acadêmica que está trabalhando muito por conta dessa epidemia. Instituições
de apoio, principalmente à mulher, estão fazendo um ótimo trabalho em relação
aos casos de microcefalia causados pelo Zika vírus.
Figura 2: O esquema mostra a diminuição da infecção de Zika no mosquito infectado por Wolbachia. Dutra HLC, et al.
Em abril desse ano, a Fundação Oswaldo Cruz liberou mais
uma leva de mosquitos infectados por Wolbachia no município de Niterói (RJ).
Isso já vem acontecendo desde 2012 em algumas regiões do estado do RJ. Apesar
disso, em 2015 houve aumento no número de casos em praticamente todas as
regiões do RJ. Segundo especialistas, esse aumento se dá por conta da
descontinuidade das atividades de vigilância epidemiológica que são
interrompidas nos estados e municípios. É necessário ter uma constância no
controle do mosquito, pois caso contrário, as doenças continuarão aumentando. Esse
alerta vale não só para as autoridades, mas para a população em geral que é
parte fundamental desse controle. Eliminar os focos de água parada (não só água
limpa, pois o mosquito já consegue se reproduzir em água suja) é um gesto de
extrema importância, com resultados excelentes e só depende de você.
Referências:
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