Sabe aquele pedacinho de plástico na ponta do
cadarço? Esse pedacinho de plástico, chamado agulheta ou ponteira, é o
responsável por manter a integridade do cadarço. Pois bem, nosso DNA também
possui uma “ponteira” com o mesmo objetivo. Eles são chamados de telômeros. Os
telômeros são complexos de DNA e proteína localizados no final dos cromossomos lineares. O DNA, nessas regiões, é formado por sequências de repetições de
nucleotídeos. Nos seres humanos, a sequência dos telômeros é TTAGGG, ou seja, duas
timinas, uma adenina e três guaninas. Essa sequência pode se repetir milhares
de vezes.
Os telômeros foram descobertos na década de 30, antes
mesmo de se conhecer a estrutura do DNA. HermannMuller (Nobel 1946) e BarbaraMcClintock (Nobel 1983) descobriram que as pontas dos cromossomos se
comportavam de maneira diferente. Somente em 1975, Liz Blackburn descobriu que
os telômeros eram compostos de repetições de sequências de DNA. E, em 1984, a
aluna de Liz, Carol W. Greider, descobriu a telomerase. Ambas dividiram o nobel
de medicina em 2009, juntamente com Jack W. Szostak, pelas suas descobertas
sobre os telômeros. Pela quantidade de prêmios Nobel aos envolvidos, você pode
desconfiar que os telômeros são importantes.
Mas como uma
sequência de nucleotídeos pode proteger o nosso DNA?
Para entender isso, primeiro temos que entender como
funciona a replicação do DNA. A primeira coisa que precisamos saber é que
enzima responsável por fazer a cópia da fita de DNA é a DNA polimerase. Ela tem
duas características que eu gostaria de ressaltar para vocês: (1) Ela não é
capaz de iniciar a cópia sem a ajuda de um pedaço de DNA já replicado (primer)
e (2) ela replica o DNA no sentido 5’-3’ (se você não sabe o que isso
significa, clique aqui). O fato de ela replicar o DNA no sentido 5’-3’ vai
fazer com que uma das fitas de DNA seja replicada de maneira contínua e a
outra, de maneira descontínua. O desenho abaixo exemplifica isso.
Figura 1: Sentido da replicação do DNA - 5'-3'. |
Após a replicação, os fragmentos da fita descontínua
são ligados gerando uma fita de DNA intacto, a não ser, pelo último pedaço,
pois a DNA polimerase não vai ter onde ligar.
Figura 2: Final do cromossomo não replicado por conta da característica da DNA polimerase. |
Se essa porção terminal fizesse parte de um gene,
essa característica da DNA polimerase causaria a perda de pedaços do gene a
cada replicação, impedindo o funcionamento correto deste. Mas a natureza e a
evolução foram sábias e, ao invés de ter genes no final dos cromossomos, temos
os telômeros. Com isso, a cada replicação do DNA, ou seja, a cada duplicação
celular, um pedaço de telômero é perdido, mas isso não interfere na integridade
do cromossomo, nem no funcionamento de genes. Além disso, ainda nos primórdios
do descobrimento dos telômeros, também foi descoberta uma enzima, a telomerase
(uma RNA polimerase) que adiciona repetições perdidas. Nem sempre esse
mecanismo é perfeito e, mesmo com essa enzima, os telômeros diminuem ao longo
da vida do organismo. Quando um cromossomo perde os telômeros, a célula não é
mais replicada e morre. Por isso dizemos que os telômeros são uma medida de senescência
das células e do organismo.
Além da proteção da integridade de genes durante a
replicação, os telômeros também formam uma estrutura tridimensional impedindo
que as pontas dos cromossomos se liguem umas às outras e impedindo que o
sistema de reparo de DNA “conserte” a ponta solta achando que é uma quebra
cromossômica. Esse mecanismo é tão importante que, na década de 70, quando Jack
W. Szostak tentava criar cromossomos artificiais de leveduras sem adicionar
telômeros, pois ele não os conhecia, os cromossomos se degradavam rapidamente.
Mas e o câncer, onde entra nessa
história?
Carol W. Greider, a mesma que descobriu a telomerase,
juntamente com Calvin Harley, confirmaram que os telômeros de células humanas
se comportavam da mesma maneira que os telômeros da levedura Tetrahymena (usada
como modelo nas pesquisas sobre telômeros). Eles também viram que a causa do
encurtamento dos telômeros ao longo da vida era a diminuição da expressão de
telomerase. Com isso em mente, eles escreveram dois artigos: o primeiro
mostrando que se a telomerase é expressa nas células pra sempre, os telômeros
não encurtam e as células não mostram sinais de senescência. O segundo artigo
faz a ligação entre essa descoberta e o câncer, indicando que se a telomerase
for inibida em células cancerígenas, isso poderia limitar o crescimento do
tumor. Isso foi confirmado em 1994 por Nick Hastie. Apesar disso, mais tarde
foi demonstrado que, com a perda dos telômeros nas células cancerígenas, os
cromossomos poderiam sofrer rearranjos e isso poderia ser “combustível” para o
crescimento dos tumores.
Os primeiros resultados relacionando câncer e
telômeros chamaram a atenção da comunidade científica e médica. Tanto que, a
partir de 1994, o número de artigos citando a telomerase disparou como mostra o
gráfico abaixo.
Figura 3: Gráfico mostrando o aumento de artigos envolvendo telomerase a partir de 1994. |
Após tantas pesquisas, foram descobertas diversas
proteínas que fazem parte do complexo de telômeros. Não só no seu arranjo
tridimensional, mas também proteínas auxiliares da telomerase. Além disso,
também foram descobertas outras doenças ligadas a problemas com a telomerase e
os telômeros, por exemplo a disqueratose congênita.
Ainda há muita coisa para se descobrir a respeito de
telômeros, telomerase e toda a maquinaria envolvida. O esforço dos cientistas
para descobrir técnicas de nos fazer viver mais e melhor e ainda curar doenças
é incrível, mas qual é o limite? Seria ético se no futuro pudéssemos tomar uma
pílula que fizesse nossa telomerase ser expressa pra sempre como se tivéssemos
20 anos? Qual o impacto de não envelhecermos?
Referências:
Nenhum comentário:
Postar um comentário