Cada um de nós possui, em praticamente todas as células, uma
molécula enorme de DNA. Certamente, muita energia é dispensada para enovelar
esse DNA e fazer essa molécula enorme caber dentro do núcleo das células. Além
disso, a cada ciclo de replicação celular, toda a molécula deve ser copiada,
avaliada e corrigida para garantir que as células filhas desempenhem todas as funções
corretamente. Convenhamos que isso é trabalho suficiente para uma célula. Há
uma quantidade enorme de enzimas envolvidas, tempo e toda a energia gasta para
replicar e estocar uma molécula. Dito isso, você deve se imaginar que todo esse
DNA deve ter função ou a célula não dispensaria todos esses recursos, certo?
Errado.
Apesar disso, muitos criacionistas e defensores da Teoria do
Design Inteligente defendem exatamente esse ponto de vista. Para eles, o nosso
DNA nos diz exatamente quem somos, nos diferencia das outras espécies (até ai
tudo bem)e, assim como todas as outras partes do nosso corpo, apresenta uma
função bem definida. Segundo eles, todo o nosso DNA seria funcional, ou seja,
composto de genes.
Mas não são só religiosos que defendem esse ponto de vista.
Um grupo (grande, bem grande) de cientistas deu vida ao projeto ENCODE. O
projeto ENCODE (Encyclopedia of DNA Elements) mapeou regiões de transcrição,
regiões associadas com fatores de transcrição, estrutura da cromatina e modificação
de histonas. Através desse mapeamento, os cientistas chegaram à conclusão que
80% do genoma possui função bioquímica.
Deixemos de lado o porquê de esses cientistas terem chegado
a essa conclusão e o que eles consideram função bioquímica. Recentemente um
artigo publicado na Genome Biology and Evolution utilizou a ferramenta mais
básica e universal para contrapor os resultados do projeto ENCODE: matemática.
Nada absurdo, nada que necessite de supercomputadores, nada disso. O que os
pesquisadores fizeram foi simplesmente calcular, baseado na taxa de mutação,
qual deveria ser a taxa de fertilidade para manter os números populacionais
atuais caso o nosso DNA fosse composto basicamente por regiões funcionais. A
saber, atualmente, se estima que pouco mais do que 8% do nosso DNA seja
funcional.
Os resultados foram que, utilizando a menor taxa de mutação
estimada, caso 80% do nosso DNA fosse funcional, cada casal deveria ter 15
filhos, sendo que somente 2 iriam sobreviver (os outros morreriam por conta das
mutações deletérias em partes importantes do DNA) para manter os números
populacionais atuais. Agora, utilizando uma estimativa de alta taxa mutacional,
cada casal deveria ser capaz de gerar 5X1042 filhos. Basicamente,
esse número é maior que o número de estrelas visíveis no universo. Para o caso
de 100% do DNA ser funcional, como afirmam os criacionistas, cada casal deveria
gerar de 24 (menor taxa de mutação) a 5X1053 (maior taxa de mutação)
filhos. Depois desses resultados chocantes, o autor ainda adiciona outras
variáveis na conta, como endogamia e epistasia e brinca com os números.
A conclusão, baseada
nos cálculos de taxa de fertilidade, é que de 8 a 14% do DNA seria funcional, o
que bate com a estimativa atual. Isto é, a função de boa parte do nosso DNA é
não ter função.
Referências:
At least 75 per cent of our DNA really is useless junk after all
Dan Graur. An Upper Limit on the Functional Fraction of the HumanGenome. Genome Biology and Evolution.
Project Encode: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22955616
Rands CM,
et al. 8.2% of the Human Genome Is Constrained: Variation in Rates of Turnoveracross Functional Element Classes in the Human Lineage. PLOS Genetics.
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