quarta-feira, 29 de novembro de 2017

A história (amarga) do açúcar

Documentos de estudos financiados pela indústria do açúcar foram recentemente descobertos e analisados por um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia (USA). Os resultados dos estudos ligam o uso da sacarose ao aumento de lipídios no sangue, doenças do coração e até câncer na bexiga. Por muitos anos a indústria escondeu esses estudos e todos os projetos foram cancelados sem que os resultados fossem publicados. Indústrias escondendo documentos que comprovem que seus produtos não fazem bem à população não é uma manobra nova na era capitalista. A indústria do tabaco fez isso por muitos anos, negando veementemente a ligação entre tabaco e doenças do coração e pulmão. Recentemente, a indústria química de agrotóxicos continua a fazer isso, alegando que seus produtos não causam nenhum tipo de risco à saúde ou ao meio ambiente, apesar de existirem diversos estudos independentes mostrando o contrário.

O começo (até onde se sabe) da história foi em 1967 quando uma entidade americana representante das indústrias de açúcar, a Sugar Research Fundation - SRF (Fundação de Pesquisa em açúcar – tradução livre), financiou uma revisão publicada no periódico New England Journal of Medicine descartando evidências que mostravam a ligação entre consumo de açúcar e maior probabilidade de adquirir doença coronariana (também conhecida como aterosclerose coronariana). A doença é caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura nas artérias e pode levar a um ataque cardíaco. Nessa revisão de 1967, na qual se comparou uma dieta rica em açúcar em uma dieta rica em amido, uma das sugestões foi que a microbiota intestinal pudesse ter um papel nas consequências advindas dessas dietas. Uma das dúvidas era se a microbiota intestinal pudesse interferir no aumento de triglicerídeos no sangue quando o animal era alimentado com uma dieta rica em açúcar. Para responder essa e outras dúvidas e poder controlar os resultados bem de perto, em 1968 a SRF iniciou o financiamento de um projeto chamado Project 259. O objetivo da pesquisa era avaliar os efeitos nutricionais da microbiota do trato intestinal comparando dietas ricas em sacarose e amido. Como modelos animais para o estudo foram escolhidos camundongos germ-free, ou seja, animais que não possuíam bactérias intestinais ou quaisquer outras formas de vida associada (patógenos, fungos, protozoários, etc). Vale ressaltar aqui que na revisão de 1967 do New England Journal of Medicine, uma das conclusões foi que esse modelo de animal tinha pouca utilidade para esse tipo de estudo, o que hoje se sabe não ser verdade. Fica aqui a questão do por que esse modelo foi escolhido já que contrariava os “resultados obtidos” do estudo anterior. Ao pesquisador escolhido para conduzir o estudo foi concedido pouco mais de 29 mil dólares (o que equivaleriam hoje a aproximadamente 187 mil dólares) entre os anos de 1968 e 1970.

Um dos primeiros resultados do Project 259 foi a descoberta da diferença dos níveis de um inibidor de beta glucorinidase entre animais alimentados com a dieta rica em açúcar ou com uma dieta padrão (com cereais e amido). Isso significava que os ratos alimentados com açúcar tinham mais beta glucorinidase. Em 1960, já se sabia que níveis maiores dessa enzima na urina era associado com câncer de bexiga. Hoje se sabe que, além de ser associada ao câncer de bexiga, essa enzima também tem um papel no desenvolvimento da aterosclerose e problemas renais. Esse resultado era muito importante, pois uma lei de 1958 postulava que qualquer alimento que pudesse causar câncer quando ingerido por animais seria retirado da lista de alimentos seguros do FDA. Portanto, se publicados, esses resultados teriam implicações regulatórias para a indústria do açúcar.

Já em agosto de 1970, o pesquisador responsável pelo Project 259 reportou ao SRF resultados preliminares sobre a implicação da microbiota nos níveis de triglicerídeos dos animais com dieta rica em açúcar. Segundo ele, é possível notar um decréscimo significativo de triglicerídeos nos ratos germ-free alimentados com dieta rica em açúcar quando comparado com ratos alimentados com a dieta padrão. Além disso, os ratos que recebiam açúcar ainda mostravam um aumento, não tão expressivo, de colesterol. O próximo passo, segundo o pesquisador, era “contaminar” esses animais com uma microbiota e demonstrar o aumento de triglicerídeos no sangue dos ratos alimentados com a dieta rica em açúcar. Para realizar os experimentos, o cientista informava que precisaria de 18 semanas adicionais. Em setembro do mesmo ano, em uma reunião de executivos da SRF (reunião que mudaria o nome SRF para ISRF – I de International), o vice-presidente da fundação classificou o Project 259 como “sem valor” e declarou que a fundação não mais financiaria o projeto. Caso não tenha ficado claro, foram 15 semanas antes do prazo pedido pelo pesquisador! Em 1974, em um comunicado interno, a ISRF faz uma interpretação dos resultados do Project 259 em que confirma a indicação de que a microbiota intestinal parece ter um papel no aumento de triglicerídeos induzido pela sacarose.

Baseado na análise dos documentos, a ISRF sabia da associação entre o consumo de sacarose e o aumento de triglicerídeos (e posterior risco de doença coronariana), mas também sabia que a divulgação desses resultados ia contra os interesses comerciais da indústria. Além disso, a publicação dos resultados ligando o consumo de açúcar com o risco de câncer na bexiga teriam implicações regulatórias, já que a sacarose poderia ser retirada da lista de alimentos seguros do FDA. Em 2016, a Sugar Association publicou uma nota criticando os resultados publicados no periódico Cancer Research em que foi demonstrado que uma dieta rica em açúcar induz um aumento no crescimento de tumores e risco de metástase quando comparado com dietas com base de amido. Na nota, a associação diz que não há nenhuma ligação plausível entre o consumo de açúcar e o risco de desenvolvimento de câncer.

Ahãm, tá (S)erto!

Referências:
Cristin E. Kearns, Dorie Apollonio, Stanton A. Glantz. Sugar industry sponsorship of germ-free rodent studies linking sucrose to hyperlipidemia and cancer: An historical analysis of internal documents. PLOS Biology, 2017; 15 (11): e2003460 DOI: 10.1371/journal.pbio.2003460.

Sugar industry withheld evidence of sucrose's health effects nearly 50 years ago, study shows. ScienceDaily.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Links para saber mais - Como a canela pode ajudar na perda de peso

Muitas dietas contam com a ajuda de especiarias que, se acredita, tenham efeito no metabolismo ajudando a perder peso. Para a maioria delas não há ainda provas científicas que atestem esse efeito, mas, no mês de dezembro, um artigo que será publicado no periódico Metabolism traz algum entendimento sobre como uma dessas especiarias, a canela, pode ajudar na luta contra a obesidade.

Um dos óleos essenciais da canela, o cinamaldeído, já era conhecido por ter um papel na proteção contra obesidade e hiperglicemia em ratos. Apesar disso, os mecanismos envolvidos nessa proteção ainda eram desconhecidos. Além de desvendar como o cinamaldeído agia em ratos, os cientistas também queriam saber se o efeito era semelhante em humanos. Para resolver esse problema, os pesquisadores trataram células de gordura (adipócitos) retiradas de doadores humanos de várias idades, raças e índices de massa corporal com cinamaldeído e avaliaram a expressão dos genes dessas células. O resultado foi a expressão de uma série de genes e enzimas responsáveis pelo metabolismo de lipídios, além de duas proteínas regulatórias muito importantes, a ucp1 e Fgf21. Essas proteínas estão envolvidas em um processo chamado termogênese que é a indução da queima de energia pelas células.

O processo de estocagem de energia pelas células (no caso dos adipócitos, em forma de lipídios) é um processo muito importante. Não fosse ele, nossos ancestrais, que não tinham tanto acesso a alimentos, não teriam sobrevivido. O problema é que a nossa sociedade tem acesso rápido e fácil a alimentos e principalmente, a alimentos ricos em gorduras e açúcares. Nossas células não sabem disso, obviamente, e por isso continuam a armazenar energia, mesmo que a nossa geladeira esteja cheia e não precisemos passar horas numa savana atrás da próxima refeição. Resultado disso é a epidemia de obesidade que presenciamos hoje. Com os resultados da pesquisa do cinamaldeído, os pesquisadores pretendem criar maneiras de usar o processo de termogênese para auxiliar na perda de peso de indivíduos obesos. Como a canela já é um ingrediente tradicional em diversos tipos de culinária, os cientistas acreditam que ela seja mais bem recebida pelos pacientes do que medicamentos receitados normalmente. Além disso, ela é natural e uma delícia!

Referências:
Cinnamon turns up the heat on fat cells. ScienceDaily.

Juan Jiang, Margo P. Emont, Heejin Jun, Xiaona Qiao, Jiling Liao, Dong-il Kim, Jun Wu. Cinnamaldehyde induces fat cell-autonomous thermogenesis and metabolic reprogramming. Metabolism, 2017; 77: 58 DOI: 10.1016/j.metabol.2017.08.006.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Links para saber mais - Como o vírus da zika ataca o cérebro em desenvolvimento?

Já foi provado que o vírus da zika pode provocar uma série de problemas para o feto quando a mãe é infectada durante a gravidez. O que cientistas ainda não sabiam era como o vírus se espalhava e quais células do feto ele infectava. A colaboração de pesquisadores da Universidade da Califórnia e da Universidade de São Paulo foi fundamental para responder essa dúvida.

Os cientistas descobriram que o início da infecção se dá em células chamadas micróglias durante a embriogênese. As micróglias são células responsáveis pela defesa do sistema nervoso central removendo células danificadas e agentes infecciosos e são originadas no saco vitelínico. Através do cultivo dessas células, eles descobriram que as micróglias expostas ao vírus da zika agem como macrófagos englobando o vírus. Até ai tudo certo, já que esse é o seu trabalho. O problema acontece quando essas micróglias entram em contato com outras células que vão dar origem ao sistema nervoso central durante a embriogênese. Quando acontece esse contato com células não infectadas, as micróglias passam o vírus adiante infectando células que vão formar o sistema nervoso central. A infecção dessas células vai acabar gerando uma série de problemas neurológicos, incluindo a microcefalia.
Células da micróglia (verde) sendo infectadas pelo vírus da Zika (azul). Crédito da imagem: Universidade da Califórnia. 

Outro resultado do estudo foi que os cientistas testaram se uma droga antiviral utilizada para tratamento de hepatite C tinha efeito sobre a multiplicação e poder de infecção do vírus da zika nessas células responsáveis pela formação do sistema nervoso central. A droga chamada Sofosbuvir (comercializada com o nome Sofaldi®) foi capaz de impedir a morte celular de células infectadas e diminuir a carga viral no embrião. Esses testes foram feitos in vitro, ou seja, em cultura celular e não em seres vivos. Ainda é necessário investigar se esses efeitos se repetem em animais, mas os pesquisadores estão otimistas quanto aos resultados.

Esses resultados são muito importantes, principalmente no Brasil que enfrentou a maior epidemia de vírus da zika. Somente no início deste ano foi visto uma pequena queda nos números de pessoas infectadas, mas ainda há muito trabalho pela frente. Milhares de pessoas, principalmente mulheres e crianças, sofreram um impacto muito grande por conta dessa infecção. É sempre bom lembrar que todos nós podemos ter um papel na diminuição e erradicação do vírus e do mosquito transmissor não deixando água parada. Prevenir é sempre o melhor remédio.

Quer saber mais sobre zika? Veja os links aqui do blog:

Estratégias para redução de epidemias causadas por insetos- Zika e Dengue em foco.


Pinar Mesci, Angela Macia, Christopher N LaRock, Leon Tejwani, Isabella R Fernandes, Nicole A Suarez, Paolo M de A Zanotto, Patricia C B Beltrão-Braga, Victor Nizet, Alysson R Muotri. Modeling neuro-immune interactions during Zika virus infection. Human Molecular Genetics, 2017; DOI: 10.1093/hmg/ddx382.

Atualização dos dados epidemiológicos da Zika. Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O que determina a quantidade de insetos dentro de casa?

Todo mundo já se deparou, uns mais outros menos, com insetos dentro de casa. De baratas (eca) a besouros ninguém está livre de dividir o lar com esses organismos. Alguns podem fazer mal, como aranhas venenosas, mas a maioria não apresenta nenhum perigo, pelo contrário, pode até contribuir com a nossa saúde. Quais são os fatores que influenciam a nossa casa a ser mais ou menos povoada pelos insetos? É o que cientistas de um grande projeto que visa entender melhor a diversidade de insetos dentro das casas e o impacto que eles tem na nossa vida estão conseguindo responder.

No dia 10 de novembro foi publicado um trabalho com alguns resultados desse grande projeto. Nesse artigo, os cientistas mostraram quais fatores afetam a diversidade e composição da comunidade de artrópodes dentro de casa. Nessa etapa foram avaliadas 50 casas situadas na Carolina do Norte (EUA). Características como o nível da sua casa em relação à rua, o tamanho dos cômodos e a quantidade de portas e janelas da sua casa afetam a quantidade e a diversidade de insetos dentro dela. Por exemplo, casas no mesmo nível da rua ou abaixo possuem maior diversidade de insetos que apartamentos, assim como casas com cômodos maiores e mais aberturas (portas e janelas) também tendem a serem mais povoadas. Em geral, cômodos mais usados como salas de estar e jantar possuem mais insetos que quartos, cozinhas e banheiros. Cada cômodo da casa pode ser considerado um ecossistema diferente que possui uma estrutura ecológica com predadores e presas. Os cientistas viram que esse tipo de padrão é bem parecido com o que ocorre em ilhas, em que cada ilha possui fauna e flora própria e um ecossistema isolado.
Figura 1: Esquema mostrando as características que afetam a diversidade de insetos dentro de casa. A figura mostra que porões abrigam comunidades diferentes de insetos comparados com o resto da casa (por causa de características como umidade e luminosidade), cômodos mais comuns abrigam maior diversidade de insetos assim como cômodos com mais portas e janelas. A diversidade de insetos também aumenta em cômodos revestidos com carpete, mas não é afetada pela presença de animais domésticos. Quanto mais alto em relação ao nível da rua um cômodo está, menor é a diversidade e quantidade de insetos que ele possui. Figura retirada do artigo original (ver referências).

Outras características avaliadas foram a arrumação da casa e a presença ou ausência de animais domésticos. Uma casa bagunçada, em geral, não abriga mais insetos que uma casa arrumada (com exceção somente para aranhas da família Polcidae que são aquelas aranhas com pernas bem fininhas e inofensivas aos seres humanos). Presença de animais domésticos e plantas também NÃO fazem diferença quando o assunto são insetos dentro de casa. Então, tá liberado dormir com o cachorrinho e gatinho na cama e se alguém reclamar você pode mostrar esse texto! Outra coisa que não influencia nada é a aplicação de pesticidas dentro de casa. Eles resolvem o problema pontualmente, matam aquela barata chata e os mosquitos, mas não deixam sua casa livre de insetos como dizem os comerciais.

Figura 2: Gráfico mostrando os resultados da comparação da riqueza de insetos dentro de casa com ou sem animais de estimação. Não teve diferença significativa a presença ou ausência de gatos ou cachorros em relação à riqueza de insetos nas casas. Figura retirada do artigo original (ver referências).
Em suma, o estudo sugere que independente do que você tem dentro de casa, é o ambiente ao redor e a quantidade de acessos para dentro de casa que vai definir a diversidade de insetos que povoam a sua residência. Outra conclusão do estudo que é bem interessante é o benefício que esses organismos podem ter para nós. Segundo uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, nós estamos cada vez com menos contato com a diversidade biológica que nos cerca e isso pode gerar uma série de problemas, desde imunológicos (veja aqui o texto sobre os benefícios da sujeira para crianças) até intestinais (veja aqui a importância de uma flora intestinal bem diversa). Esses insetos que povoam nossas casa podem, então, nos ajudar a entrar em contato com uma diversidade de microrganismos que podem melhorar a nossa saúde.

Referências:

Scientists investigate how different houses and lifestyles affect which bugs live with us: A survey of urban households reveals how room layout and indoor lifestyle impacts the diversity of our tiniest roommates. ScienceDaily.

Artigo original:
Misha Leong, Matthew A. Bertone, Amy M. Savage, Keith M. Bayless, Robert R. Dunn, Michelle D. Trautwein. The Habitats Humans Provide: Factors affecting the diversity and composition of arthropods in houses. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-15584-2

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Links para saber mais - Cetáceos possuem sociedade e cultura semelhante aos humanos

Todo mundo que já viu ou leu Guia do Mochileiro das Galáxias sabe (ou desconfia) que os golfinhos são mesmo mais inteligentes que nós. Por exemplo, golfinhos nunca elegeriam Trump para presidente, o que já mostra um intelecto bem avançado. Sabendo disso, cientistas de universidades do Reino Unido, EUA e Canadá resolveram estudar se existia algum tipo de cultura nas sociedades de golfinhos, baleias e botos (cetáceos) e o que era responsável por comportamentos considerados complexos.

Esse é o primeiro estudo que cria um enorme banco de dados cruzando informações de comportamentos complexos ao tamanho do cérebro dos cetáceos. A hipótese é que os cetáceos são considerados um dos animais mais inteligentes do planeta justamente pela relação de tamanho entre cérebro e corpo. A lista de comportamentos mostra diversas semelhanças com comportamentos humanos e primatas:

-Complexas relações de aliança – trabalham juntos para benefício mútuo;

-Transferência social de técnicas de caça – ensinamentos de como caçar utilizando ferramentas;

-Caça cooperativa;

-Complexas vocalizações, incluindo DIALÉTOS REGIONAIS E DE GRUPOS – Basicamente eles conversam;

-Mimetismo vocal e “apitos exclusivos” únicos de alguns indivíduos – ELES TEM NOMES;

-Cooperação interespecífica com outras espécies, incluindo o homem;

-Cuidado parental de filhotes e jovens que não são sua prole;

-Brincadeiras sociais.


Segundo uma das pesquisadoras envolvidas no trabalho, eles tiveram o mesmo caminho evolutivo de desenvolvimento de inteligência pelo qual passaram primatas e humanos. Ela diz que eles só não serão capazes de imitar nossos avanços tecnológicos porque não desenvolveram polegares opositores. Outra neurocientista que participou da pesquisa afirma que, na sua opinião, apesar de existirem diferenças entre estruturas cerebrais de humanos e cetáceos, esse não o motivo pelo qual eles não atingem graus mais elevados de habilidades sociais e cognitivas. Ela ainda afirma que, justamente, apesar dessas diferenças estruturais, ambas as espécies evoluíram de maneira a mostrar comportamentos cognitivos e sociais muito semelhantes.

Referências:
Whales and dolphins have rich 'human-like' cultures and societies. ScienceDaily.

Kieran C. R. Fox, Michael Muthukrishna, Susanne Shultz. The social and cultural roots of whale and dolphin brains. Nature Ecology & Evolution, 2017; DOI: 10.1038/s41559-017-0336-y

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Links para saber mais - O perigo do descarte inadequado de fármacos

Pesquisadores da Universidade do Estado de Portland testaram água do mar em locais próximos a centros urbanos e encontraram de tudo, desde traços de cafeína até remédios. As substâncias são descartadas em residências ou em centros médicos e acabam parando nos oceanos depois de passar pelo sistema de esgoto. Por conta desse achado, os cientistas simularam em laboratório um ambiente natural para caranguejos nativos daquela área e avaliaram possíveis modificações no comportamento desses animais quando expostos a concentrações de fluoxetina (o princípio ativo do Prozac) encontradas nas águas estudadas. Eles notaram alterações comportamentais nos caranguejos incluindo o aumento do tempo de forrageamento (busca e exploração por recursos alimentares). Esse comportamento deixou os caranguejos mais distraídos e expostos a predadores, pois eles mantinham o forrageamento mesmo durante o dia, período em que normalmente estão escondidos. Mesmo a presença do predador natural não impedia os animais de continuarem a busca por alimento, deixando eles muito mais expostos à predação. Além disso, os pesquisadores notaram que eles se envolviam muito mais em brigas com membros da mesma espécie, frequentemente matando o oponente ou sendo mortos no processo.

Essa pesquisa chama a atenção para o perigo do descarte inadequado de resíduos da indústria farmacêutica. No caso dos caranguejos, o comportamento induzido pelo fármaco gerou um desbalanço na interação predador-presa. Isso pode gerar desequilíbrios no ecossistema que podem se propagar botando em risco não só uma espécie, mas todo o ambiente.

Referências:
Joseph R. Peters, Elise F. Granek, Catherine E. de Rivera, Matthew Rollins. Prozac in the water: Chronic fluoxetine exposure and predation risk interact to shape behaviors in an estuarine crab. Ecology and Evolution, 2017; DOI: 10.1002/ece3.3453.

Prozac in ocean water a possible threat to sea life. ScienceDaily.

Para saber mais como descartar medicamentos vencidos ou sem uso de maneira correta veja esse guia.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Links para saber mais - Depressão e Magic Mushrooms

Eu já escrevi textos aqui no blog sobre os cogumelos alucinógenos e como a substância ativa (psilocibina) está na mira da indústria farmacêutica por conta das suas propriedades (se você não leu os textos, clique aqui e aqui). A última novidade sobre os efeitos da psilocibina foi publicada essa semana na revista Scientific Reports por um grupo de pesquisadores do Imperial College London.

A pesquisa testa os efeitos da substância ativa dos cogumelos alucinógenos em pacientes com depressão que não respondem a tratamentos convencionais. Os resultados foram encorajadores. Todos os pacientes afirmam melhoras nos sintomas após uma semana da ingestão da droga e muitos deles descrevem a melhora como se o cérebro tivesse reiniciado e, com isso, os sintomas depressivos tivessem sumido. A maioria também afirma que a melhora é persistente. Além de responder questionários sobre sintomas depressivos antes e depois de ingerir a psilocibina, os pacientes também fizeram imagens de ressonância magnética para determinar o fluxo sanguíneo em algumas áreas do cérebro. As imagens após a ingestão de psilocibina mostram menor fluxo de sangue na região do cérebro conhecida como amígdala. Essa região está envolvida no processamento de respostas emocionais, estresse e medo. Os cientistas imaginam que após a ingestão da droga, há uma desintegração inicial de circuitos neuronais associados com a depressão, permitindo que o paciente saia do estado depressivo e se mantenha sem sintomas por longo período. Apesar dos resultados animadores, os pesquisadores afirmam que ainda são necessários vários estudos, pois o número amostral foi baixo e não foi possível a formação de um grupo controle.
Fonte: http://www.curasaudavel.com/site/?p=1487
Esse mesmo grupo já publicou outros estudos sobre os efeitos da psilocibina em pacientes depressivos resistentes a tratamentos convencionais, mas esta é a primeira vez que eles conseguem fazer imagens do cérebro que mostram mudanças efetivas após o uso da droga. Por mais que o número de pacientes seja pequeno, esses estudos são uma grande vitória, pois ainda é muito difícil conseguir consentimento e verbas para trabalhar com substâncias proibidas.

Robin L Carhart-Harris, Leor Roseman, Mark Bolstridge, Lysia Demetriou, J Nienke Pannekoek, Matthew B Wall, Mark Tanner, Mendel Kaelen, John McGonigle, Kevin Murphy, Robert Leech, H Valerie Curran, David J Nutt. Psilocybin for treatment-resistant depression: fMRI-measured brain mechanisms. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-13282-7.

Droga derivada do “cogumelo-mágico” suprime depressão em primeiro teste com humanos. Universo Racionalista.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Porque existem componentes do leite materno que os bebês não conseguem digerir?

O título desse texto é "Porque existem componentes do leite materno que os bebês não conseguem digerir?", mas poderia facilmente se chamar "No corpo humano tudo tem um propósito". Isso porque cientistas da Universidade da Califórnia estão terminando um trabalho (que será publicado possivelmente em março de 2018) mostrando que componentes não digeríveis do leite materno tem uma função protetora para o bebê. Esse trabalho mostra o porquê de o leite materno ser repleto de oligossacarídeos complexos que são totalmente indigestos para os bebês. A real função desses componentes é na verdade servir de fonte de alimento para um grupo de bactérias chamadas bifidobacterium infantis.








Mas porque essas bactérias são importantes?







Elas são importantes porque, durante a gestação, o corpo do bebê está em um ambiente estéril. Assim que o bebê nasce, ele é exposto a uma porção de bactérias, algumas patogênicas outras não. Enquanto o sistema imunológico da criança ainda não está preparado para lidar com todas essas novidades, bactérias não patogênicas entram em cena para proteger o corpo. Uma das bactérias que desempenham esse papel é a bifidobacterium infantis. Ela forma uma camada protetora no intestino do bebê, impedindo a colonização de bactérias patogênicas e protegendo a criança de doenças graves.

Para você ter noção da importância do aleitamento materno e dessas bactérias protetoras do intestino, bebês que nascem prematuros e que, por algum motivo, não recebem aleitamento materno tem muita dificuldade em formar uma microbiota intestinal adequada. Por conta disso, muitas vezes o intestino desses bebês são colonizados por bactérias patogênicas causando um problema grave que é a enterocolite necrosante. Essa condição causa lesões nas camadas do intestino permitindo que haja contaminação por bactérias na corrente sanguínea. Em média, 85% dos casos de enterocolite necrosante ocorrem em recém nascidos prematuros e por isso esse artigo que relaciona os componentes do leite materno com a criação de uma microbiota intestinal protetora é tão importante. Não só, cada vez mais se ressalta a importância do aleitamento materno sempre que possível como também esse estudo vai permitir um olhar e um tratamento diferente para bebês prematuros e, dessa maneira, aumentar as chances de sobrevivência.

Referências:
Cientistas desvendam por que leite materno tem moléculas de açúcar que bebês não digerem. BBC.

Enterocolite necrosante.

Artigo (ainda não está publicado, mas é possível ler o resumo):
Kirmiz, N., R. C. Robinson, I. M. Shah, D. Barile and D. A. Mills. 2017. Milk glycans and their interaction with the infant gut microbiota. Annual Review in Food Science & Technology (In Press).

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Mais um sucesso do uso do canabidiol no tratamento de transtornos do espectro autista

Cada vez mais se tem descoberto os benefícios do canabidiol, composto encontrado na Cannabis sativa, no tratamento de transtornos do espectro autista. Uma grande esperança para os pais de crianças com essa condição, que apesar de bastante estudada ainda é pouco entendida. Certamente temos questões éticas, culturais e muitos tabus para discutir a respeito do uso da Cannabis, mas os cientistas estão fazendo um ótimo trabalho mostrando o quão importante são os seus derivados em diversos tratamentos. Dessa maneira, esperamos exercer pressão suficiente para, pelo menos, iniciarmos uma discussão mais séria em relação à liberação (no mínimo) do uso medicinal.

Um artigo que saiu essa semana na PNAS é mais um na lista dos trabalhos que mostram benefícios do canabidiol na melhora de sintomas de alguns tipos de autismo. O trabalho foca numa síndrome em especial: a síndrome de Dravet. Já foi identificado que essa síndrome tem causa genética e as crianças portadoras sofrem com epilepsia severa e muito difícil de controlar, além de problemas cognitivos e de interações sociais. Geralmente os pacientes necessitam de cuidados contínuos e tem risco de morte elevada na infância. Atualmente existem poucas opções terapêuticas para o tratamento e melhora das condições de vida dos pacientes. Um dos autores do estudo ressaltou a necessidade de pesquisar a fundo os processos que levam a melhora dos sintomas de epilepsia, já que tantos pais estão optando (e tendo sucesso) pelo tratamento “caseiro” com canabidiol. Apesar de poucos estudos clínicos, ele admite que não há como negar que o tratamento funciona, mas é importante conhecer mais o composto, os métodos e como a substância age no organismo melhorando alguns sintomas da Síndrome de Dravet.

Para avaliar os efeitos benéficos do canabidiol e como ele afetava os processos moleculares de comunicação entre certos grupos de neurônios, os pesquisadores desenvolveram um rato geneticamente modificado que mimetizasse os sintomas da síndrome de Dravet. Os principais resultados foram a confirmação de que o canabidiol reduziu não só a severidade dos ataques epiléticos, como também a duração e frequência. Além disso, os modelos tratados com baixas doses de canabidiol tiveram melhoras visíveis nas interações sociais. Uma curiosidade foi que o canabidiol agiu de maneira semelhante ao clonazepan (um benzodiazepinico geralmente utilizado para tratar pacientes com síndrome de Dravet), ou seja, baixas doses foram ideais para tratar distúrbios sociais, enquanto que doses mais altas tiveram sucesso na diminuição dos eventos epiléticos.

Gráfico mostrando a relação de dose-dependência de canabidiol na duração dos ataques (A), severidade (B) e frequência (C). As barras azuis indicam o efeito do placebo e as barras vermelhas indicam as diferentes doses de canabidiol utilizadas. 
Sobre os efeitos do canabidiol nos neurônios, os cientistas viram que ele equilibra as taxas de inibição e excitação de neurônios do hipocampo. Isso significa que ele consegue reverter um dos problemas neuronais que causam os ataques epiléticos, que é (de maneira bem resumida) a falta de habilidade de neurônios inibitórios em controlar neurônios excitatórios. Outra vantagem é que, comparado com os tratamentos existentes atualmente, o canabidiol causa poucos efeitos adversos.

Os autores do trabalho esperam que ele seja utilizado no desenho de estudos clínicos em humanos para a confirmação dos efeitos benéficos do canabidiol no tratamento da síndrome de Dravet.


Referências:
Joshua S. Kaplan, Nephi Stella, William A. Catterall, Ruth E. Westenbroek. Cannabidiol attenuates seizures and social deficits in a mouse model of Dravet syndrome. Proceedings of the National Academy of Sciences, 2017; 201711351 DOI: 10.1073/pnas.1711351114.

Cannabidiol benefits and mechanisms shown in mouse study of Dravet syndrome: Cannabidiol treatment reduces seizures and autism-like behaviors in mice with this genetic condition. ScienceDaily.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Links para saber mais - Novos medicamentos contra fungos

Fungo Cryptococcus neoformans utilizado no estudo.
Infecções fúngicas são um problema bem sério para pessoas imunodeprimidas e matam 1,6 milhões de pessoas no mundo por ano. Encontrar novos tratamentos para combater fungos é uma questão prioritária na saúde. Novas drogas são necessárias para reduzir a morbidade, mortalidade e custos associados aos tratamentos existentes. Por serem tão parecidas com células humanas, desenvolver novas drogas que atinjam as células de fungos sem causar tantos danos para as nossas células é um desafio. Além disso, drogas anti fúngicas não matam todos os tipos de fungos, logo a resistência aos medicamentos existentes está se tornando um problema cada vez mais grave.

Agora um grupo de cientistas do Instituto Westmade para Pesquisa Médica da Austrália está estudando uma espécie de fungo para desenvolver uma abordagem molecular que auxilie na criação de um medicamento melhor e mais eficiente. Os pesquisadores identificaram uma via metabólica (ARG1) que é responsável pelo estabelecimento do fungo Cryptococcus no pulmão e posterior migração para o cérebro, resultando em meningite. Eles esperam poder produzir um medicamento que bloqueie essa via, impedindo que o fungo consiga completar o ciclo e, dessa maneira, impedir uma doença mais grave. Segundo um dos pesquisadores do instituto, atualmente, mesmo com tratamento apropriado, milhares de pessoas morrem por falta de remédios mais eficientes. As pessoas mais atingidas com infecções fúngicas sérias e que seriam mais beneficiadas com novos medicamentos são portadores do vírus da AIDS e pessoas com leucemia, já que as duas doenças afetam diretamente o sistema imunológico.

Referências:
A step towards a new drug to treat fungal infections that kill 1.6 million people annually: A team from Sydney's Westmead Institute for Medical Research is a step closer to developing a drug to treat life-threatening fungal infections that cause more than 1.6 million deaths annually. ScienceDaily.

Cecilia Li, Sophie Lev, Desmarini Desmarini, Keren Kaufman-Francis, Adolfo Saiardi, Ana P.G Silva, Joel P. Mackay, Philip E. Thompson, Tania C. Sorrell, Julianne T. Djordjevic. IP3-4 kinase Arg1 regulates cell wall homeostasis and surface architecture to promote clearance of Cryptococcus neoformans infection in a mouse model. Virulence, 2017; 00 DOI: 10.1080/21505594.2017.1385692.



sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Links para saber mais - Mãe é mãe

Instinto materno é umas das forças mais poderosas do universo. Manter a prole feliz e saudável é uma das prioridades da maioria das mães do mundo animal. Desde mães humanas até não humanas como gatas, cadelas, galinhas, patas, etc. Todo esse mecanismo de proteção e amor à prole é ligado ao hormônio ocitocina, encontrado em diversos animais. A pergunta é: como essa relação de proteção evoluiu?

Para entender essa questão, pesquisadores do Reino Unido e da Bélgica foram pesquisar os instintos maternais do nematódeo Caenorhabditis elegans. O que eles encontraram foi que, mesmo organismos mais simples, como esse verme, possuem instinto de proteção à prole e mostram comportamentos que protegem a sua prole quando há algum perigo. Eles viram que quando a fonte de alimento começava a diminuir, os vermes “pais” deixavam a fonte de alimento. Dessa maneira, sobrava mais recursos para sua prole. Os cientistas fizeram experimentos que comprovam que esse comportamento é consequência do hormônio nematocina que é uma versão nematódea do hormônio ocitocina encontrado em animais mais complexos. 
Proporção de C. elegans adultos e larvas que deixam a fonte de alimento. Enquanto a fonte de alimento é abundante, larvas e adultos deixam a fonte, mas quando o alimentos começa a diminuir, uma quantidade significativamente maior de adultos deixa a fonte de alimento. Fonte: Artigo original.

Em humanos e outros animais, esse hormônio é conhecido por controlar a sociabilidade e, muitas vezes chamado “hormônio do amor”. De acordo com os cientistas, o comportamento que faz com que nossos pais queiram nos ver bem e saudáveis é muito antigo e existe mesmo em organismos com sistemas nervosos muito simples, como nematódeos.


Referências:
Love hormone' leads worms to show their caring side. ScienceDaily.

Euan Scott, Adam Hudson, Emily Feist, Fernando Calahorro, James Dillon, Raissa de Freitas, Matthew Wand, Liliane Schoofs, Vincent O’Connor, Lindy Holden-Dye. An oxytocin-dependent social interaction between larvae and adult C. elegans. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-09350-7.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Links para saber mais - Consequências do Tsunami de 2011 no Japão

Espécies marinhas costeiras do Japão estão aparecendo na costa do Havaí e EUA. Qual a explicação pra isso?


Cientistas afirmam que esse fenômeno foi causado pelo Tsunami que atingiu o Japão em 2011. Por causa do terremoto e tsunami, desde objetos pequenos como pedaços de plástico até grandes como barcos e docas inteiras foram sugadas mar a dentro e, com eles, levaram uma série de espécies que utilizavam esses objetos como abrigo. Pesquisadores do Instituto Smithsonian, Instituto de Biologia Marinha de Oregon e Universidade Estadual da Pensilvânia dizem que isso já era esperado, mas o que é realmente surpreendente foi que alguns desses animais sobreviveram à enorme viagem transoceânica e foram parar na outra costa do Pacífico. Desde 2012 os pesquisadores começaram a encontrar objetos e animais vivos presos a eles. No período do estudo, 2012 a 2017, foram encontradas mais de 289 espécies vivas em destroços como boias, caixas e embarcações. Os pesquisadores acreditam que este número ainda é pequeno, pois mesmo após o término do período de estudo, mais espécies continuam chegando com vida.

Moluscos, como mexilhões, é o grupo de animais encontrado mais frequentemente. Vermes, hidras (parentes das águas-vivas), crustáceos e ectoproctas (animais coloniais, filtradores e sésseis) também vem em números consideráveis. Aproximadamente dois terços das espécies encontradas nunca foram vistas na costa dos EUA e nem se podia imaginar que sobreviveriam a uma viagem dessa magnitude. Uma das hipóteses é que os objetos que carregavam esses animais viajavam em velocidade muito pequena (1 a 2 nós – o que equivale a 1,8 a 3,7 Km/h) dando tempo para essas espécies se adaptarem às diferenças ambientais e se reproduzirem. A baixa velocidade também ajudava as novas larvas a se fixarem no substrato e não ficarem perdidas no meio do oceano. Outra ponto que ajudou (mas não é necessariamente positivo) foi o fato de que a maioria dos objetos que levavam animais era feito de plástico, logo não se decompôs. Até agora nenhuma das espécies novatas conseguiu colonizar a costa dos EUA, mas não significa que isso não poderá acontecer no futuro.

Essas descobertas são realmente interessantes, mas há de se considerar as consequências disso. Por exemplo, se algumas das espécies conseguir colonizar a costa pode gerar prejuízos para espécies nativas e para todo o ecossistema local. Além disso, os cientistas alertam que toda essa viagem só foi possível graças aos materiais não bio-degradáveis jogados nos oceanos pelo tsunami ou por ação humana. A quantidade de plásticos e outros materiais perigosos jogados ao mar tende a aumentar nos próximos anos, assim como a quantidade de furacões e tsunamis (por conta do aquecimento global). Quem sabe que desequilíbrio ecológico isso ainda pode trazer.

Quer saber mais sobre o problema dos plásticos jogados no oceanos? Eu escrevi um texto sobre isso. Se você não leu, clique aqui.

Referências:
Tsunami enabled hundreds of aquatic species to raft across Pacific: Biologists detect longest transoceanic rafting voyage for coastal species. ScienceDaily.

James T. Carlton, John W. Chapman, Jonathan B. Geller, Jessica A. Miller, Deborah A. Carlton, Megan I. Mcculler, Nancy C. Treneman, Brian P. Steves, Gregory M. Ruiz. Tsunami-driven rafting: Transoceanic species dispersal and implications for marine biogeography. Science, 2017; Vol. 357, Issue 6358, pp. 1402-1406 DOI: 10.1126/science.aao1498

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Afinal, cerveja faz bem ou não?

E para comemorar o dia do início da Oktoberfest aqui no Brasil, nada melhor do que um texto falando da paixão nacional: Cerveja!

Vamos aos fatos. O brasileiro bebe muita cerveja (eu, inclusive), mas quanto exatamente? A média do consumo de cerveja no Brasil é de 82 litros por pessoa por ano. Atualmente ocupamos o 17º lugar no consumo de cerveja mundial. Apesar de, em 2015, a produção de cerveja industrial ter caído 20% - por conta da crise e pelo aumento no consumo de cervejas artesanais – a indústria cervejeira ainda tem um grande impacto na economia. Com a geração de 2,2 milhões de empregos e de R$ 21 bilhões de impostos arrecadados por ano, a indústria não faz só a alegria do povo, mas também a alegria do governo. Atualmente o setor cervejeiro no Brasil é dominado por três gigantes: Ambev, Heineken e Grupo Petrópolis. Apesar disso, só em 2015 (no auge da crise), o setor de cervejas especiais, dominado por pequenas cervejarias, teve uma alta de 36% nas vendas.

Agora vamos passar para a biologia porque aqui não é um blog de economia. Biologicamente falando, a cerveja faz bem ou faz mal? Bom, depende. Por ser uma substância que contém álcool, obviamente abusar da cerveja não faz bem e pode levar ao desenvolvimento de dependência e outros males. Mas usando com moderação (assim como tudo na vida) vários estudos mostram que a cerveja pode fazer bem sim.

Por exemplo, um estudo de 2010 avaliou o conteúdo de silício em cervejas. Segundo os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos a ingestão de silício é importante para o crescimento e desenvolvimento dos ossos e do tecido conjuntivo. O estudo do Departamento de Ciência Alimentar e Tecnologia da Universidade da Califórnia mostrou que o silício presente nas cervejas tem alta biodisponibilidade, ou seja, nosso corpo é capaz de aproveitar o nutriente da forma como ele é apresentado. Por conta desse fato, os pesquisadores chegaram a conclusão de que a cerveja é a maior fonte de silício presente na dieta ocidental atualmente. O estudo ainda mostra que as cervejas com base de cevada tem maior quantidade de silício do que aquelas com base de trigo. Isso porque uma boa parte do silício é encontrada na casca da cevada. O lúpulo, por sua vez, é o ingrediente da cerveja que mais contém silício, mas dependendo do tipo de cerveja, ela pode ter pouco lúpulo na sua composição. Em geral, cervejas mais amargas possuem maior quantidade de lúpulo. Levando em conta todos os resultados, alguns pesquisadores já sugerem a ingestão moderada de cerveja por pessoas que sofrem de osteoporose.

Um estudo mais recente, de 2017, mostrou que um componente presente na cevada maltada e na cerveja ativa um receptor específico de dopamina provocando uma sensação de bem-estar e recompensa gerada pela comida. Esse estudo, conduzido na Alemanha (claro!) analisou computacionalmente 13 mil componentes de comidas e fontes naturais para entender como esse mecanismo de recompensa pela comida é modulado. Para você entender melhor, esse mecanismo é chamado de fome hedônica. É aquela sensação de felicidade que alguns alimentos proporcionam fazendo com que não consigamos parar de comer, mesmo não estando com fome. Essa sensação de felicidade é gerada quando o neurotransmissor dopamina é ligado ao receptor D2. Então o que os pesquisadores tinham em mente era descobrir alimentos ou outros produtos naturais que conseguissem, assim como a dopamina, se ligar ao receptor D2 e gerar essa sensação de felicidade. No final da análise de 13 mil substâncias, os cientistas chegaram à 17 compostos que eram capazes de se ligar ao receptor D2. Esses 17 compostos foram analisados em laboratório e o mais promissor deles foi a hordenina. Hordenina é um composto presente em cevada maltada e, consequentemente, em cerveja. Além de ser capaz de se ligar ao receptor D2, a hordenina utiliza uma rota bioquímica diferente que potencialmente leva a um efeito de prazer mais prolongado em comparação com a dopamina. O próximo passo é analisar se os índices de hordenina presentes na cerveja são suficientes para gerar essa sensação de felicidade. Pra quem adora uma cervejinha, esse ponto já está respondido.

Além desses estudos, existe uma série de outros que mostram os benefícios para a saúde de compostos fenólicos e fitoquímicos presente em cereais utilizados para a produção cervejeira. Assim como o vinho, que também possui diversos componentes benéficos, é importante ressaltar que cerveja contém álcool e pode gerar prejuízos. Além dos malefícios como problemas do fígado, o álcool também causa confusão mental, dependência e uma série de problemas. Então a palavra aqui é moderação. Beber com moderação e segurança (não vai dirigir depois de uma noitada na oktoberfest) além de ser prazeroso, pode trazer benefícios para a saúde. Então prost!

Referências:

O consumo de cerveja no Brasil. Inovare Pesquisas.

Drinking Beer Could Be Good For Your Bones, Study. Medical News Today.

Troy R. Casey and Charles W. Bamforth. Silicon in Beer and Brewing. Journal of the Science of Food and Agriculture Published Online: February 8, 2010 (DOI: 10.1002/JSFA.3884);

Beer can lift your spirits due to malted barley ingredient. ScienceDaily.

Thomas Sommer, Harald Hübner, Ahmed El Kerdawy, Peter Gmeiner, Monika Pischetsrieder, Timothy Clark. Identification of the Beer Component Hordenine as Food-Derived Dopamine D2 Receptor Agonist by Virtual Screening a 3D Compound Database. Scientific Reports, 2017; 7: 44201 DOI: 10.1038/srep44201

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia 2017

Ontem (02/10/2017) saiu a nomeação do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2017. Novamente tivemos participação de biólogos! Os cientistas premiados foram Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young “por suas descobertas de mecanismos moleculares controlando o ritmo circadiano”. As suas descobertas explicam como plantas, animais e humanos adaptam o seu ritmo biológico. Usando a mosca Drosophila melanogaster como modelo biológico, os cientistas isolaram o gene que controla o ritmo biológico diário. Eles mostraram que esse gene produz uma proteína que se acumula nas células a noite e é degradada durante o dia. Posteriormente, eles desvendaram outras proteínas que fazem parte da maquinaria celular que regula o ritmo biológico. O relógio biológico regula funções críticas como comportamento, nível de hormônios, sono, temperatura corporal e metabolismo. Hoje se sabe que grande parte dos nossos genes são regulados pelo relógio biológico e, consequentemente, um ritmo circadiano equilibrado adapta nossa fisiologia às diferentes fases do dia. Falhas na calibração do ritmo biológico estão associadas com aumento no risco de desenvolvimento de diversas doenças.

Publicações doa autores:

Zehring, W.A., Wheeler, D.A., Reddy, P., Konopka, R.J., Kyriacou, C.P., Rosbash, M., and Hall, J.C. (1984). P-element transformation with period locus DNA restores rhythmicity to mutant, arrhythmic Drosophila melanogaster. Cell 39, 369–376.

Bargiello, T.A., Jackson, F.R., and Young, M.W. (1984). Restoration of circadian behavioural rhythms by gene transfer in Drosophila. Nature 312, 752–754.

Siwicki, K.K., Eastman, C., Petersen, G., Rosbash, M., and Hall, J.C. (1988). Antibodies to the period gene product of Drosophila reveal diverse tissue distribution and rhythmic changes in the visual system. Neuron 1, 141–150.

Hardin, P.E., Hall, J.C., and Rosbash, M. (1990). Feedback of the Drosophila period gene product on circadian cycling of its messenger RNA levels. Nature 343, 536–540.

Liu, X., Zwiebel, L.J., Hinton, D., Benzer, S., Hall, J.C., and Rosbash, M. (1992). The period gene encodes a predominantly nuclear protein in adult Drosophila. J Neurosci 12, 2735–2744.

Vosshall, L.B., Price, J.L., Sehgal, A., Saez, L., and Young, M.W. (1994). Block in nuclear localization of period protein by a second clock mutation, timeless. Science 263, 1606–1609.

Price, J.L., Blau, J., Rothenfluh, A., Abodeely, M., Kloss, B., and Young, M.W. (1998). double-time is a novel Drosophila clock gene that regulates PERIOD protein accumulation. Cell 94, 83–95.


segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Links para saber mais - Personalidade dos animais

Nós estamos acostumados a não pensar em nós mesmos como animais por diversos motivos. Por conta disso, tendemos a imaginar que não compartilhamos determinados comportamentos e características com outros animais. Por exemplo, você já deve ter se surpreendido com um cão, gato, pássaro ou até mesmo um macaco desempenhando alguma tarefa relacionada a resolução de problemas. Ou ainda, você já deve ter conhecido cães da mesma raça com temperamentos completamente diferentes. Para os cães, que fazem parte da nossa rotina (mesmo que você não tenha um) é fácil imaginar que eles tenham diferentes personalidades, mas você já imaginou peixes ou mesmo aranhas com personalidades diferentes?

No caso dos peixes, não fomos somente nós que nunca imaginamos que eles tivessem uma gama de personalidades (eu confesso que nunca pensei em peixes dessa maneira). Cientistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, também não faziam ideia de que um peixe que conhecemos aqui no Brasil como barrigudinho (Poecilia reticulata) poderia demostrar comportamentos complexos na época em que começaram o estudo. Os cientistas começaram os testes de comportamentos a fim de dividir os indivíduos em dois grupos: aqueles que evitavam riscos e aqueles que encaravam riscos. O que eles acabaram encontrando foi uma variação entre indivíduos que não poderia ser traduzida de maneira tão simples. Por exemplo, num dos testes, os pesquisadores avaliavam o comportamento dos animais expostos a um ambiente novo. Alguns indivíduos se escondiam, outros tentavam escapar, outros exploravam o local e assim por diante. Uma das coisas importantes que os pesquisadores notaram foi que as diferenças entre os indivíduos eram consistentes, ou seja, os que eram mais exploradores continuavam mais exploradores independente da situação (a menos que fosse uma situação de extremo perigo na qual a maioria dos indivíduos agia de maneira similar). Por conta desse resultado, os pesquisadores agora planejam estudar se esses comportamentos tem base genética.
Fonte: http://www.guiadospeixes.com/peixe-barrigudinho/peixe-barrigudinho-agua-doce/
Já outro grupo de cientistas, da Universidade Nacional de Singapura, estudou o comportamento de aranhas da espécie Portia labiata. Novamente os cientistas foram surpreendidos pelos resultados. Em primeiro lugar, eles avaliaram a agressividade dos indivíduos de aranhas. Após separá-las em agressivas e “dóceis”, os cientistas colocavam as aranhas numa situação em que elas deveriam tomar uma decisão. O que eles viram foi que as aranhas mais agressivas tomavam decisões mais rapidamente e, surpreendentemente, as decisões rápidas eram tão acuradas quanto as decisões lentas. Esse comportamento é o contrário do que ocorre no ser humano, por exemplo, já que estudos mostram que quando tomamos decisões rapidamente, tendemos a tomar decisões erradas.
Fonte: http://tchuanye.smugmug.com/Photography/Portfolio
Depois de ler esses resultados eu provavelmente não vou mais me surpreender com alguns comportamentos dos meus cachorros.

Referências:
Thomas M. Houslay, Maddalena Vierbuchen, Andrew J. Grimmer, Andrew J. Young, Alastair J. Wilson. Testing the stability of behavioural coping style across stress contexts in the Trinidadian guppy. Functional Ecology, 2017; DOI: 10.1111/1365-2435.12981.

Fish have surprisingly complex personalities: Tiny fish called Trinidadian guppies have individual 'personalities,' new research shows. ScienceDaily.

Chia-chen Chang, Pangilinan J. Ng, Daiqin Li. Aggressive jumping spiders make quicker decisions for preferred prey but not at the cost of accuracy. Behavioral Ecology, 2016; arw174 DOI: 10.1093/beheco/arw174.

Aggressive spiders are quick at making accurate decisions, better at hunting unpredictable preys. ScienceDaily.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Links para saber mais - Pandas

Eu já falei aqui no blog que uma das maiores causas de extinção de mamíferos é a fragmentação dos seus habitats, segundo um estudo publicado esse ano na PNAS (se você não leu o texto, clique aqui). Por conta disso, pesquisadores decidiram avaliar a evolução do habitat do panda, que recentemente teve seu status alterado pela IUCN (de ameaçado de extinção para vulnerável). O que os pesquisadores viram foi que, de 1976 até 2001, a área utilizada pelos pandas decresceu 5%, tendo aumentado um pouco entre 2001 e 2013. Já o tamanho médio dos fragmentos de florestas diminuiu 23% até 2001 e aumentou irrisoriamente desde então.

O motivo pelo qual tanto as áreas dos fragmentos, quanto o tamanho da área geral aumentou é em razão de algumas estratégias para conservação do habitat como, por exemplo, o estabelecimento de reservas naturais, o banimento de propagandas em áreas de florestas e educação ambiental dos residentes próximos às áreas. Apesar disso, segundo um dos autores do estudo, uma das maiores modificações da região foi o aumento de quase três vezes o número de estradas desde 1976. Estradas são um dos fatores mais impactantes na fragmentação de habitats (como você pode ver em outro texto que eu escrevi aqui no blog). Por conta desses resultados, os pesquisadores sugerem criar corredores ecológicos para a movimentação dos animais. É importante ressaltar que, por conta dos esforços de preservação do habitat do panda, outras espécies ameaçadas se beneficiaram, como por exemplo algumas espécies de primatas e outras espécies de ursos. Preservar os habitats, mesmo que focando numa espécie, ajuda o ecossistema de uma forma geral.

Referências:

Weihua Xu, Andrés Viña, Lingqiao Kong, Stuart L. Pimm, Jingjing Zhang, Wu Yang, Yi Xiao, Lu Zhang, Xiaodong Chen, Jianguo Liu, Zhiyun Ouyang. Reassessing the conservation status of the giant panda using remote sensing. Nature Ecology & Evolution, 2017; DOI: 10.1038/s41559-017-0317-1.

Panda habitat shrinking, becoming more fragmented: Modern GIS technologies could improve our assessment of the species' extinction risks. ScienceDaily.

Pandas, which are basically giant poop machines, may inadvertently help save other species. Popular Science.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Links para saber mais - o perigo dos plásticos nos oceanos

Plásticos são um problema ambiental sério. Quando falamos nos plásticos que acabam nos oceanos o problema se agrava ainda mais. Todo mundo já deve ter visto alguma foto com uma tartaruga presa com plásticos de engradado de latinhas ou fotos com estômagos de aves marinhas, peixes e até baleias cheios de lixo plástico. Mas o problema vai mais além. Não são somente os grandes plásticos (sacolas, garrafas pet, etc) que causam prejuízos. Os microplásticos e nanoplásticos também geram estragos que a ciência começou a avaliar recentemente.

Fonte: Missouri Department of Conservation.
No início de setembro foi publicado um artigo na Scientific Reports que descobriu que nanoplásticos estão causando danos neurológicos em peixes (e talvez em outros animais marinhos). Por conta do tamanho, de 20nm a 70nm, esses nanoplásticos são ingeridos pelo zooplâncton que, por sua vez, são ingeridos por animais maiores. Uma vez na corrente sanguínea de peixes, especificamente a espécie Carassius carassius que foi estudada, eles conseguem ultrapassar a barreira hemato-encefálica e se acumulam no cérebro dos peixes. Isso descoberto, os pesquisadores focaram em desvendar quais os prejuízos causados pelo acúmulo desses plásticos no tecido cerebral. Para isso, eles conduziram experimentos comportamentais e viram que os peixes com acúmulo de plástico no cérebro comiam mais devagar e exploravam menos o habitat a redor. Esse comportamento pode comprometer a sobrevivência do animal na natureza.

Outro resultado foi a ocorrência de morte do zooplâncton que come esse material. A maneira a qual os nanoplásticos levam o zooplâncton á morte ainda é um mistério. De maneira geral, a conclusão do estudo é que os nanoplásticos podem causar uma série de prejuízos no ecossistema, pois afetam vários níveis da cadeia alimentar.
Mortalidade de zooplâncton após a exposição a nanoplásticos. O gráfico mostra o número de organismos vivos entre 0 e 24 horas após a exposição desses organismos a diferentes concentrações de nanopartículas de poliestireno. Fonte: artigo original.
Referências:
Karin Mattsson, Elyse V. Johnson, Anders Malmendal, Sara Linse, Lars-Anders Hansson, Tommy Cedervall. Brain damage and behavioural disorders in fish induced by plastic nanoparticles delivered through the food chain. Scientific Reports, 2017; 7 (1) DOI: 10.1038/s41598-017-10813-0.

Brain damage in fish from plastic nanoparticles in water. ScienceDaily.

Para saber mais sobre estragos causados por plásticos nos oceanos:

-Dia Mundial dos Oceanos: 7 motivos pelos quais o oceano está em perigo! Cientistas Feministas.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Links para saber mais - Abuso infantil e o desenvolvimento do cérebro

Um grupo de pesquisadores do Canadá conseguiu associar problemas no desenvolvimento neurológico com abusos sofridos durante a infância. Abuso infantil é um problema de saúde pública que afeta de 5% a 15% das crianças ocidentais. Evidências clínicas e epidemiológicas mostram que problemas na infância aumentam o risco de vida, estresse relacionado a problemas psiquiátricos, depressão, suicídio, entre outros. Apesar disso, até agora não existiam estudos que avaliassem características celulares, epigenéticas ou morfológicas de cérebros de pessoas que sofreram abusos na infância.

O estudo, publicado no periódico The American Journal of Psychiatry em julho deste ano, analisou, entre outras coisas, a mielinização (revestimento de células nervosas que faz com que os sinais elétricos no cérebro sejam conduzidos de maneira mais eficiente) de três grupos de indivíduos. Importante ressaltar que a análise ocorreu no cérebro de indivíduos que já haviam morrido. Os três grupos eram (1) pessoas que cometeram suicídio e tinham sofrido abuso infantil, (2) pessoas que cometeram suicídio, mas não tinham relatos de abuso e (3) pessoas que morreram de outras causas que não suicídio e não tinham relato de abuso infantil.

O que os pesquisadores descobriram foi que a camada de mielina era significativamente reduzida somente nas pessoas com histórico de abuso infantil. Eles também viram alterações moleculares que afetavam células responsáveis pela geração e manutenção da mielina. Além disso, foi visto um aumento no diâmetro de alguns axônios. A conclusão é que essas alterações, juntas, possam ser responsáveis por uma falha de conexão entre estruturas como a amígdala e o núcleo accumbens (áreas do cérebro ligadas à regulação emocional e à recompensa e satisfação) e, dessa maneira, contribuir para uma alteração no processamento de emoções em pessoas que sofreram abusos durante a infância. Agora os pesquisadores pretendem descobrir onde, no cérebro, quando, durante o desenvolvimento, e como, a nível molecular, esses efeitos são suficientes para causar impacto na regulação das emoções.

Depois desse texto, achei importante deixar telefones para denúncia em caso de abuso infantil:
Disque Criança: 0800 2829996
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República: 100
Disque-Denúncia: 2253 1177


Referências:
Pierre-Eric Lutz, Arnaud Tanti, Alicja Gasecka, Sarah Barnett-Burns, John J. Kim, Yi Zhou, Gang G. Chen, Marina Wakid, Meghan Shaw, Daniel Almeida, Marc-Aurele Chay, Jennie Yang, Vanessa Larivière, Marie-Noël M’Boutchou, Léon C. van Kempen, Volodymyr Yerko, Josée Prud’homme, Maria Antonietta Davoli, Kathryn Vaillancourt, Jean-François Théroux, Alexandre Bramoullé, Tie-Yuan Zhang, Michael J. Meaney, Carl Ernst, Daniel Côté, Naguib Mechawar, Gustavo Turecki. Association of a History of Child Abuse With Impaired Myelination in the Anterior Cingulate Cortex: Convergent Epigenetic, Transcriptional, and Morphological Evidence. American Journal of Psychiatry, 2017; appi.ajp.2017.1 DOI: 10.1176/appi.ajp.2017.161112.

Child abuse affects brain wiring: Impaired neural connections may explain profound and long-lasting effects of traumatic experiences during childhood. ScienceDaily.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Links para saber mais - desenvolvimento dos Neandertais

Em uma caverna localizada no norte da Espanha foi descoberto, e 1994, a maior coleção de ossos de Neandertais da Península Ibérica. Entre os 13 indivíduos recuperados na caverna, um deles, um menino de sete anos, foi o protagonista de um estudo que avaliou as diferenças e semelhanças no desenvolvimento de Neandertais e humanos modernos.

Através de um esqueleto composto de 138 peças, os pesquisadores conseguiram determinar uma série de características ligadas ao desenvolvimento infantil e outros aspectos. O esqueleto, nomeado El Sidrón J1, tinha 7 anos e sete meses quando morreu, pesava 26 kilos e tinha 111 centímetros de altura. A análise dos caninos e da robustez dos ossos mostrou que o indivíduo era do sexo masculino. Também foi possível identificar que El Sidrón J1 era destro e já desempenhava algumas tarefas de adultos. Ele tinha hipoplasia do esmalte dentário (falha na mineralização do esmalte do dente) causado por má nutrição ou alguma doença. Entre os outros 13 indivíduos do grupo estavam a sua mãe e um irmão mais novo.

Esqueleto recuperado do indivíduo nomeado El Sidrón J1 na caverna de El Sidrón, Espanha. Fonte: artigo original.
Os cientistas viram somente duas diferenças no desenvolvimento infantil de El Sibrón J1 comparado com os humanos modernos: a maturação da coluna vertebral, principalmente das vértebras torácicas, e o total desenvolvimento da caixa craniana e consequentemente do cérebro. O indivíduo analisado estava com aproximadamente 87% da caixa craniana desenvolvida, ao passo que, na mesma idade, humanos modernos já possuem 100% de desenvolvimento. Talvez isso seja consequência do volume cerebral maior em Neandertais (1,520 centímetros cúbicos) comparado com Homo sapiens (1,195 centímetros cúbicos). O menor desenvolvimento das vértebras torácicas pode estar ligado à economia de energia, já que o cérebro “suga” uma grande parte da energia para o seu desenvolvimento. Com um cérebro menor, os humanos atuais podem atingir o desenvolvimento mais rapidamente.

O artigo completo está disponível para download no site da revista Science através desse link.

Referências:
Reconstructing how Neanderthals grew, based on an El Sidrón child: Neanderthal growth rate is very similar to that of Homo sapiens. ScienceDaily.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Sua dieta não funciona? A resposta pode estar no seu intestino.

No dia mundial de começar a dieta, segunda-feira, eu trago os resultados de uma pesquisa que indica o porquê da perda de peso nem sempre ocorrer da maneira que desejamos e porque isso não é nossa sua culpa. Além disso, esse estudo, a meu ver, abre um precedente para começarmos a prestar mais atenção à individualidade quando queremos fazer uma dieta eficiente, seja para perda de peso, seja para ficarmos mais saudáveis. Isso serve para acabar de vez com aquela crença de que a dieta de revista funciona para todos e se você não perdeu peso mesmo passando fome e se alimentando de folhas por duas semanas a culpa é sua. Acaba com a crença de que se a dieta da musa fitness do Instagram funcionou pra ela, vai funcionar pra você também, é só você se esforçar e nunca mais comer farinha branca ou batata frita na vida!

Então vamos à pesquisa. Os cientistas analisaram a microbiota intestinal (bactérias que povoam nosso intestino) e descobriram que a prevalência de uma ou outra espécie de bactéria indicava se a pessoa perdia mais ou menos peso com as duas dietas testadas.

Vamos fazer um P.S. para as dietas e falar um pouquinho sobre uma delas. Quando eu digo dieta, eu não quero dizer necessariamente dieta de restrição calórica para perda de peso. Dieta são as características alimentares do indivíduo. Uma das dietas testadas foi a “New Nordic Diet” (Nova dieta nórdica). Essa dieta é o resultado de uma reunião de profissionais em alimentação e chefs que aconteceu em 2004 em Copenhagen. O intuito dessa reunião era definir a nova cozinha regional, que, em contraste com os hábitos alimentares tradicionais, seria mais saudável. Basicamente a dieta foca na sustentabilidade e sazonalidade dos alimentos, evitando assim aditivos químicos e minimizando o desperdício. Segundo especialistas, essa dieta é muito parecida com a dieta mediterrânea, com exceção de alguns alimentos que refletem o clima da região, tipo de solo e disponibilidade de água para a produção. Basicamente você come o que sua região é capaz de produzir e, dessa maneira, você se alimenta de acordo com o clima e as atividades aos quais você está exposto. Parece uma coisa lógica, e de fato é, mas não é o que fazemos hoje em dia. Pense no Brasil, por exemplo, que é um país enorme com uma variedade de climas diferentes. A dieta que se segue no sul que é mais frio (pelo menos em alguns períodos do ano) não deveria ser a mesma dieta do norte. Não parece muito saudável aguentar um inverno frio no sul comendo salada e muito menos aguentar o calor do norte ou nordeste se enchendo de carne e feijoada. Dito isso, voltamos à pesquisa.

As duas dietas testadas foram a New Nordic Diet e uma dieta normal dinamarquesa receitada pelos pesquisadores. As características de ambas estão sumarizadas na tabela abaixo.
Dieta

NND

ADD
Fibras

43.3 g/10MJ*

28.6 g/10MJ*
Proteínas

18.1%

16.4% 
Gorduras

30.4%

33.8%  
Carboidratos

46.4%

45.3% 
Tabela comparando as principais características da Nova Dieta Nórdica (NND) e a dieta dinamarquesa regular (ADD). As quantidades de fibras, proteínas e gorduras são estatisticamente diferentes entre as duas dietas. *10MJ = 10 Mega Joules.

Os indivíduos foram divididos em dois grupos: um com alta prevalência da bactéria Prevotella spp. e outro com mais Bacteroides spp. Cada um desses grupos foi dividido novamente, sendo que uma parte recebeu a dieta nórdica e outra a dieta dinamarquesa. Eles aplicaram a dieta aos indivíduos pesquisados por 26 semanas. No final desse período, os resultados indicaram que os indivíduos com alta porcentagem de Prevotella spp. perderam mais que o dobro de gordura corporal em relação aos indivíduos com alta porcentagem de Bacteroides spp. seguindo a Nova Dieta Nórdica. Além disso, a diminuição da circunferência abdominal e a perda de peso também foram significativamente maiores nos indivíduos com alta porcentagem de Prevotella spp. seguindo a Nova Dieta Nórdica. Os pesquisadores ainda continuaram monitorando os indivíduos por um ano durante o qual foi recomendado que todos seguissem a Nova Dieta Nórdica. No final desse período os resultados indicaram que os indivíduos com mais Prevotella spp. mantiveram seu peso, enquanto os indivíduos com mais Bacteroides spp. ganharam, em média, 2, 76Kg.
Os mecanismos envolvidos que possivelmente causaram essa diferença podem ser vários como capacidade de utilização das fibras, sinalização cérebro-intestino (o que causa diferenças no comportamento), secreção de hormônios gastrointestinais que regulam o apetite, entre outros. Em suma, os pesquisadores sugerem a análise da microbiota intestinal como um marcador para determinar a melhor dieta para um indivíduo. Talvez isso ainda demore a se tornar uma rotina, mas enquanto isso fuja de dietas mega restritivas (a menos que você tenha algum problema de saúde), procure aproveitar o que o seu ambiente te oferece e, caso você queira alterar seu peso, ganhar massa muscular, perder gordura, etc, procure um profissional sério e não aceite dietas de gaveta porque ninguém merece passar o resto da vida comendo queijo branco, alface, arroz integral e peito de frango. O segredo é o equilíbrio sem neurose.

Se você quiser saber mais sobre como o nosso corpo determina o que queremos comer, esse é um ótimo texto para começar: Até que ponto somos responsáveis por tudo o que escolhemos comer?

Referências:
M F Hjorth, H M Roager, T M Larsen, S K Poulsen, T R Licht, M I Bahl, Y Zohar, A Astrup. Pre-treatment microbial Prevotella-to-Bacteroides ratio, determines body fat loss success during a 6-month randomized controlled diet intervention. International Journal of Obesity, 2017; DOI: 10.1038/ijo.2017.220.

Your stools reveal whether you can lose weight. ScienceDaily.

The New Nordic Diet.